Há pouco mais de 10 anos, uma verdadeira invasão de marcas chinesas acontecia no Brasil. De olho nos cerca de 3 milhões de veículos que o País vendia por ano naquela época, e nas facilidades que o governo brasileiro proporciona às grandes empresas, algumas montadoras da China começaram a pipocar por aqui. Porém, após um breve período, boa parte dessas companhias abandonou o mercado brasileiro de maneira precoce. Com isso, deixando, inclusive, muitos clientes na mão.
Antes de falar da queda, cabe relembrar a ascensão. Muita gente ainda se lembra do Salão do Automóvel de São Paulo de 2012. Ainda sediado no saudoso Pavilhão do Anhembi (Zona Norte da capital paulista), o evento nunca reuniu tantas marcas chinesas em um mesmo espaço. Algumas, apenas para demonstração. Tantas outras, porém, com intenção de vendas ou instalação definitiva no País. Afinal, tratava-se de uma época de desemprego baixo, e que milhares de brasileiros (diziam as estatísticas) deixavam a linha da pobreza. Conclusão, a demanda por carros no ficou em alta e, consequentemente, tornava o Brasil uma terra atrativa.
A frota apresentada no Salão de SP, à época, tinha de montadoras novas, como Haima e Shuanghuan, por exemplo, passando por Changan (que havia abandonado o nome Chana) e chegando até as tradicionais, como JAC e Chery que, respectivamente, levaram o compacto J2 e a dupla Celer, nas carrocerias hatch e sedã.
Aliás, carros chineses na mostra paulista era algo comum desde 2010. Como esquecer o Lifan 320 trajado de joaninha, em 2010? Cafona, engraçadinho, criativo? O fato é que o modelo dividiu opiniões e, atendendo aos objetivos da marca, virou notícia. Muitos o compraram por considerá-lo a cópia chinesa do Mini Cooper.
Declínio
Mas, para começar a falar da derrocada de algumas marcas chinesas, nada como relembrar a própria Lifan. A fabricante teve, é fato, seus dias de glória, com as milhares de unidades vendidas do X60 – que chegou a ser o chinês mais vendido do Brasil, em 2014 -, mas também teve dias de luta. O sedã 620, por exemplo, chegou ao Brasil cheio de pretensão – como querer peitar o Toyota Corolla, por exemplo -, mas caiu no ostracismo e foi deixado de lado pelo público brasileiro.
Por fim, embora negasse, a fabricante (que manteve um site ativo até o ano passado), finalmente deixou o País. Suas vendas, à época, sequer tinham registros. Nesse sentido, a marca até se desfilou do quadro de associados da Abeifa, a associação das importadoras. De qualquer forma, em fevereiro de 2021, dando os últimos suspiros, a marca havia emitido nota à imprensa dizendo que suas vendas e seu pós-vendas se mantinham, bem como concessionárias e oficinas. Mas o fim já estava decretado.
É tanto que, até na China, vale lembrar, a marca faliu. Em 2020. Hoje, parte dela foi adquirida pela Geely (dona da Volvo) e vem acontecendo uma espécie de ressureição. Assim, passou a se chamar Livan e aposta em carros 100% elétricos como o RL 9, um SUV que tem baterias substituíveis.
Geely
Passado aquele ânimo com as possibilidades do novo mercado, a falta de produtos rentáveis e boa estratégia decretaram a queda de outras chinesas. A Geely, por exemplo, deixou quem comprou seus produtos a ver navios. E o fim das atividades no Brasil (em abril de 2016), claro, impactaram no bolso do consumidor, afinal, o valor de revenda desses carros caiu drasticamente e a manutenção ficou comprometida, por conta do fechamento de concessionárias.
Trazida ao Brasil pelo mesmo representante da Kia (Grupo Gandini), a marca ofereceu localmente o sedã EC7 e o hatch GC2. De acordo com a marca, è época, a culpa era da instabilidade do mercado nacional.
Aliás, diversas fabricantes, como a Brilliance (importada pela CN Auto), a Zotye (que chegou a anunciar planos de construir fábrica no Brasil) e a MG (inglesa Morris Garage, comprada pelo grupo chinês Saic Motors e importada pela Forest Trade ao Brasil) culparam as sucessivas mudanças no mercado brasileiro para justificar suas saídas. Aliás, teve quem colocou a culpa na queda das vendas – por conta de crises em seus países de origem – e até no custo para a implantação de novas operações, como abertura de concessionárias, treinamento de pessoal e estrutura de pós-venda, por exemplo, como principais entraves.
Brasil voltou a atrair chinesas
A instabilidade do mercado brasileiro continua (afinal, o País vem em crise há séculos) e não deve acabar tão cedo. Ainda assim, se para algumas fabricantes a primeira onda não deu certo, outras buscam surfar nessa segunda onda. Desse modo, quebrando preconceitos, os chineses vêm conquistando a confiança do consumidor e, ao mesmo tempo, investindo por aqui. A GWM, mesmo, decidiu chegar com tudo, já comprando fábrica e lançando modelos inéditos no País.
Se outrora as chinesas encantaram a clientela por oferecer carros mais equipados que o habitual, hoje, fisgam o cliente pela tecnologia. Entretanto, um ponto comum tanto no começo da década de 2010 quanto agora, é o preço abaixo da média. O BYD Dolphin, por exemplo, virou um fenômeno ao chegar mais barato que o compacto (e também elétrico) Renault Kwid E-Tech, mesmo com porte semelhante ao Nissan Leaf, que custa o dobro.
Talvez essa quebra de barreira se dê pelo maior entendimento do brasileiro. Afinal, “carro chinês” é algo bastante complexo. Ou seja, mesmo marcas que não têm origem na China, também produzem carros por lá. É o caso, por exemplo, do Ford Territory. A marca é norte-americana, mas a produção é chinesa. Nem por isso, a qualidade da fabricante caiu. A Volvo, também, hoje pertence a um grupo chinês. Desse modo, segue a dica, se você é daqueles que ainda têm preconceito com carro chinês, então pode deixar de lado aquele relógio bacana, o brinquedo que você compra para o teu filho e, inclusive, aquele iPhone produzido em Zhengzhou. Afinal, tudo é made in China.
Pode haver outras baixas?
Mas a pergunta que não quer calar é: As chinesas que vêm se instalando no Brasil podem, de repente, deixar o País? A resposta é sim! Afinal, se a Ford, com décadas de Brasil, o fez, por que com as novatas chinesas precisaria ser diferente? Em síntese, o que conta não é o país de origem, mas a estratégia de cada fabricante e, sobretudo, os lucros. Dá dinheiro? Fica! Não dá? Pé na estrada!
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