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Medo da vacina? Seu carro já pode ser chinês faz tempo
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Medo da vacina? Seu carro já pode ser chinês faz tempo

Aversão à Coronavac expôs a desconfiança a produtos chineses. Porém, essa tecnologia já abarcou todo o cotidiano da população, e isso inclui até o seu carro

Emily Nery, para o Jornal do Carro

10 de fev, 2021 · 15 minutos de leitura.

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Tiggo 8
TIGGO 8 É O MAIOR SUV DA CAOA CHERY; MODELO TRAZ MOTOR 1.6 TURBO
Crédito:ALEX SILVA/ESTADÃO

A chegada ao Brasil da Coronavac, vacina contra a covid-19 que é fruto da parceria entre o laboratório Sinovac Biotech, com sede em Pequim, e o Instituto Butantan, de São Paulo, reavivou um infundado preconceito contra produtos oriundos da China. E, se no caso de medicamentos isso não tem validação, em relação a automóveis faz ainda menos sentido.

Essa visão surgiu em passado recente, quando muitos produtos “made in China” que chegavam ao País eram cópias de mercadorias de marcas consagradas e/ou tinham baixa qualidade. “No começo dos anos 1980, a indústria manufatureira predominava na China com produtos baratos e de baixo valor”, diz o CEO da Caoa Chery, Marcio Alfonso. Por isso, muitos brasileiros ficaram céticos com relação a tudo que vinha de lá.

Nesses 30 anos, muita coisa mudou. Os Chevrolet Onix e Tracker, por exemplo, foram desenvolvidos no país asiático. O Ford Territory vem de lá (leia mais na próxima página), assim como os Volvo XC60 e XC90.

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A própria Caoa Chery comprova essa mudança. De marca inexpressiva quando atuava sozinha no Brasil, a Chery passou a ter carros desejados após evoluir em seu país de origem e, sobretudo, ter a operação brasileira adquirida pela Caoa.

Agora, a marca oferece carros para lá de modernos. Como por exemplo o sedã elétrico Arrizo 5e e o Tiggo 8, único SUV médio com sete lugares feito no Brasil.

Produtos baratos e de baixo valor agregado

O Effa M100, primeiro carro chinês à venda no País, chegou em 2007 e chamava a atenção pelo motor fraco (1.0 de 47 cv) e a baixa qualidade. Já o Lifan 320, cópia descarada do inglês Mini Cooper, não ajudou a melhorar a imagem dos carros importados da China.


Em 2011, a JAC Motors mudou esse paradigma. O forte investimento em marketing incluiu o apresentador Fausto Silva como garoto propaganda. O J3 (hatch e sedã) tinha desenho assinado pelo estúdio italiano Pininfarina, responsável pelas linhas de modelos de marcas como Ferrari, Maserati, Cadillac e Peugeot, entre outros.

Mas a situação se complicou quando, no mesmo ano, o governo aumentou em 30 pontos porcentuais o imposto sobre carros importados. Foi um duro golpe para as marcas em geral e quase mortal para as chinesas.

Para piorar, em 2013 um estudo da consultoria JD Power apontou que a média de defeitos em carros chineses vendidos no Brasil era maior do que a de outras marcas. Como resultado, dispararam o preço do seguro e também a desvalorização.


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O Effa M100 foi o primeiro carro chinês à venda no Brasil. No entanto, confirmou todas as suspeitas que na época recaíam sobre produtos do país asiático André Lessa/Estadão

Ciência e incentivos governamentais caminharam juntos

Paralelamente ao progresso e ao declínio dessas fabricantes no Brasil, a China investiu em ciência, na capacitação profissional e procurou entender o sucesso das multinacionais que em seu país produziam. Com o tempo, adquiriu o know-how estrangeiro. Junto a esse fator, o gigantesco mercado consumidor doméstico, ainda em ascensão, fomentou uma enorme escala produtiva. Como resultado, produto era vendido por um preço mais baixo.

Medo em comprar um SUV de 7 lugares sem saber como ele realmente é? Então confira nosso comparativo!

“O governo criou infraestrutura, estimulou parcerias de empresas chinesas e internacionais. Assim elas chegaram ao patamar de criar seus próprios projetos.” afirma Segio Habbib, presidente da JAC Motors do Brasil. 

A junção da já consolidada indústria manufatureira com o desenvolvimento de tecnologia de ponta levou a China a outro patamar. A potência foi responsável por importar peças de automóveis para a grande maioria das montadoras. “Todo componente eletrônico vem da China. Eles possuem nível de qualidade e tecnologia para exportar para todo o mundo” enfatiza Paulo Garbossa, consultor da ADK Automotive. 

Inclusive, o segmento de importação de peças e acessórios automotivos é um dos 10 maiores setores de importados da China. De acordo com Tulio Cariello, diretor de conteúdo do Conselho Empresarial Brasil-China, a importação desses produtos movimentou cerca de 700 milhões de dólares entre janeiro e outubro de 2020. 


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Chevrolet Onix Plus surgiu primeiro na China, sob o nome de Monza. Carro é uma feito pela joint-venture entre a GM e SAIC CHEVROLET/DIVULGAÇÃO

Campeões de vendas

Excluindo marcas chinesas, diversos dos novos modelos no mercado brasileiro surgiram da parceria chinesa com uma fabricante estrangeira. O VW Taos, que chega no próximo semestre, por exemplo, é irmão do sino-alemão Tharu. Na China, a GM desenvolveu a plataforma para mercados emergentes GEM, que gerou o Chevrolet Onix, Onix Plus e o Tracker. Embora vários componentes sejam desenvolvidos no Brasil, tanto a tecnologia como algumas peças têm origem no país asiático. 

Chinesa Gelly é dona da Volvo

Indo na contramão dos mais puristas, que costumam a desconfiar da qualidade dos campeões de vendas, até a marca premium Volvo foi adquirida pela chinesa Geely, em 2010. Na prática, a sueca conseguiu sair do vermelho, investir em veículos elétricos e aumentar expressivamente suas vendas. O XC60 vendido por aqui, por exemplo, vêm importado diretamente da China.


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Volvo XC60 vendido em solo brasileiro é importado da China Volvo/Divulgação

Além disso, a fabricante de pneus Pirelli pertence à estatal chinesa ChemChina desde 2014. Efetivamente, isso significa um intercâmbio de influência. A empresa italiana oferece tecnologia em troca do gigantesco mercado consumidor. 

Estigma ao carro chinês persiste?

Depois de anos desde a primeira onda de carros chineses no Brasil, duas montadoras persistiram: JAC, que passa por recuperação judicial, e a Chery, adquirida pelo Grupo CAOA em 2017. A compra pelo grupo Caoa representou uma guinada nas operações da Chery no Brasil, que até então, só fabricava na fábrica de Jacareí (SP).


A marca, então, renovou todo seu catálogo e percebeu algo que se tornava pré-requisito na compra de um carro na China: “O mercado chinês começou a crescer muito rápido e o poder de aquisição cresceu também. Com isso, as fabricantes conseguiram agregar mais valor aos automóveis. A fim de deixá-los mais complexos e mais tecnológicos”, afirma Marcio Alfonso. Os brasileiros começaram a requisitar carros mais completos, fugindo do automóvel simples e sem conteúdo. 

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O interior do Caoa Chery Tiggo 8 possui, por exemplo, central multimídia com tela de e12,3 polegadas, teto solar panorâmico elétrico, carregamento de celular por indução e  acionamento remoto do ar-condicionado Werther Santana/Estadão

A mudança da gama da Chery trouxe automóveis com mais equipamentos, mas que deixaram os preços mais próximos aos de seus concorrentes. “A Caoa (Chery) entendeu que o consumidor exige o carro completo. Assim, essa mudança obrigou as montadoras a seguirem na mesma linha”, reforça Paulo Garbossa.


JAC aposta em elétricos

No caso da JAC, a empresa também reformulou sua estratégia. Em 2019, sua linha de elétricos com cinco novos modelos, dentre eles, a primeira picape elétrica do mundo. Depois, introduziram o iEV 1200 T, primeiro caminhão urbano elétrico da marca.

A ousada iniciativa vem em um momento em que a eletrificação no Brasil ainda engatinha. Embora o número seja recorde, em 2020, cerca de 857 carros elétricos foram vendidos por aqui. Segundo Habbib, há pela frente uma série de desafios para inserir o carro elétrico no Brasil, como o dólar alto e a falta de incentivos fiscais. 

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JAC iEV 1200T, primeiro caminhão elétrico da marca tem autonomia de 200 km. Por exemplo, JAC/Divulgação

Todavia, a participação das fabricantes chinesas no mercado brasileiro nunca chegou a atingir 2%. Em 2019, a Caoa Chery registrou seu melhor ano de vendas, quando emplacou 20.182 unidades, número que representou 0,89% da parcela entre as montadoras. Para 2021, a empresa pretende vender cerca de 34 mil veículos.

Para a JAC Motors, o ano de 2011 foi ano recorde de vendas, ao emplacar 23.747 unidades, segundo a Fenabrave.

Predominância chinesa no Brasil?

Além da Caoa Chery e JAC Motors, há 20 montadoras chinesas catalogadas pela CEBC, das quais atuam de modo direto ou indireto na indústria automotiva brasileira. Dentre essas, Tulio destaca a BYD como investidora no segmento de inovação e eletrificação. Presente em diversas cadeiras produtivas, a empresa produz desde painéis solares a até carros elétricos.


Na visão de Garbossa, a fim de atrair novos investimentos, inclusive no segmento de elétricos, é necessário garantir estabilidade. “A indústria automotiva não precisa de subsídio para trabalhar, e sim de segurança”. De acordo com o especialista, empresários chineses, em especial, têm visão de investimento a longo prazo. De nada adianta o investimento em uma fábrica de elétricos se não há infraestrutura de carregamento, por exemplo.

O presidente da JAC aposta na rapidez da inovação chinesa em carros elétricos. Ela lidera na fabricação de baterias elétricas e investe par tornar o produto mais barato e eficiente. Contudo, acha que a cultura da compra de veículos de zero emissões ainda vai demorar para chegar.

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Conforme anunciado pela CAOA, a Exeed, marca de luxo da Chery, deverá chegar ao mercado brasileiro neste ano, bem como dividirá plataforma com o Tiggo

Montadora chinesa no Top 10

O CEO da Caoa Chery acredita que ao menos uma empresa chinesa estará entre as 7 maiores fabricantes mundiais nos próximos cinco anos. No Brasil, ele enxerga a jornada mais difícil, por terem saído de “muito mais embaixo” que as concorrentes e pela situação econômica instável no país.

Além disso, o executivo indica que teremos cada vez mais contato com produtos chineses, diretamente ou indiretamente. A tendência é que, com a consolidação das joint-ventures entre montadoras europeias e chinesas, o volume de automóveis, tecnologias e peças importadas do outro lado do mundo tomarão o setor automotivo. Basta se acostumar.

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