Primeira Classe

As derrotas e conquistas do novo regime automotivo

Pouco mais de três anos após a implementação do Inovar-Auto, temos apenas fábricas com baixíssimo volume de produção, dificuldades para aprovar novos projetos e marcas que prometiam fazer a diferença respirando por aparelhos. O Inovar-Auto fracassou? Em parte. O grande fracasso, mesmo, foi da economia brasileira.

Rafaela Borges

23 de mar, 2016 · 11 minutos de leitura.

As derrotas e conquistas do novo regime automotivo
Crédito: Pouco mais de três anos após a implementação do Inovar-Auto, temos apenas fábricas com baixíssimo volume de produção, dificuldades para aprovar novos projetos e marcas que prometiam fazer a diferença respirando por aparelhos. O Inovar-Auto fracassou? Em parte. O grande fracasso, mesmo, foi da economia brasileira.

Fábrica da Jaguar Land Rover será inaugurada neste ano (Foto: Land Rover/Divulgação)

 

O Inovar-Auto fracassou. Eu disse isso outro dia aqui na redação e a maioria discordou da afirmação. “O que fracassou foi a economia brasileira”, disseram-me.


(No Instagram: @blogprimeiraclasse)

Sim, têm razão, em parte. Então, reformulo a afirmação: o fracasso da economia brasileira levou ao fracasso do Inovar-Auto. Não um fracasso total, mas parcial.

Pode-se dizer que perdemos, total ou parcialmente, algumas fábricas de alto volume, que gerariam diversos empregos, recolheriam impostos e poderiam contribuir para o desenvolvimento de uma região do País. Em vez delas, ganhamos plantas de pequeno volume, de carros de luxo – a da Mercedes-Benz foi inaugurada nesta quarta-feira (23).


Além disso, algumas operações de importadoras que estavam fazendo a diferença no Brasil estão praticamente aniquiladas. Em contrapartida, o carro nacional está ficando, ano a ano, mais econômico e seguro graças ao Inovar-Auto.

Mercedes inaugurou sua fábrica em Iracemápolis nesta quarta-feira, para montar Classe C e GLA (Foto: Thiago Lasco/Estadão)

 

DERROTAS


O regime protecionista à indústria automobilística brasileira que, à época em de sua implementação, levou em conta um possível avanço das marcas chinesas (que nunca veio a ocorrer), tornou praticamente impossível às montadoras atuarem no País sem terem fabricação local. Isso porque impôs aos importados IPI 30 pontos percentuais mais alto que o recolhido pelos nacionais.

O resultado foi que, logo após o anúncio dos detalhes do regime, diversas marcas anunciaram a implementação de fábricas no País. Porém, em conversas com executivos de algumas empresas, eu soube que não foi, de fato, o Inovar o responsável por trazer essas novas plantas, e sim o aquecimento da indústria automobilística do País, no fim da década passada e no início desta. “O Inovar, na verdade, atrasou o processo de implementação da fábrica”, falou uma fonte, ligada a uma marca de luxo.

“Não se toma a decisão de construir uma fábrica de uma hora para outra. É um projeto que leva anos e muitos estudos de viabilidade. A decisão já estava tomada antes do anúncio do novo regime automotivo”, afirmou a mesma fonte.


Ainda assim, o Inovar acabou levando o crédito pela vinda dessas novas fábricas.  Agora, pouco mais de três anos depois (o regime foi decretado em 3 de outubro de 2012), o que o Brasil ganhou?  Quatro fábricas de carros de luxo, com capacidade para produzir não mais que 30 mil carros por ano.

Capacidade esta que nem será atingida num futuro próximo, pois a crise econômica impede que essas montadoras de aprovarem algo além do que já havia sido aprovado. A Audi, por exemplo, planejava produzir aqui o novíssimo Q2. Com o agravamento da situação no Brasil, o plano foi abandonado. Por ora, fará por aqui somente o A3 Sedan e o Q3, ambos já em montagem no Paraná.

E manterá esse plano porque, caso contrário, terá de pagar IPI adicional retroativo, referente aos exemplares dos dois modelos, ainda importados, que não recolheram o imposto extra – algo permitido pelo governo por meio do Inovar.


Além da Audi e Mercedes, a BMW já fábrica aqui, e a Land Rover iniciará a produção local neste ano. Porém, qual é a vantagem dessas  fábricas de 30 mil unidades, mas que nesses primeiros anos não vão passar de 10 mil, já que mesmo o mercado de luxo já apresenta sinais de estagnação – e possível queda? Empregos? Sim, alguns, mas não um número significativo, que faça diferença nas cada vez mais altas estatísticas de desemprego do Brasil em recessão.

Queda de preço dos carros, ante os importados? Pelo contrário: os preços, na maioria dos casos, aumentaram consideravelmente. A razão? Real desvalorizado e peças importadas.

Executivos dessas marcas explicaram ao blog: em vez de exigir um índice de nacionalização dos produtos, que levaria também ao desenvolvimento de um parque de autopeças ao redor dessas novas fábricas, o Inovar determina o cumprimento de algumas etapas produtivas no País. Com isso, a maioria das plantas está funcionando, ao menos por ora, como pouco mais que um grande galpão de montagem em CKD.


As exportações a partir do Brasil também são inviáveis. As vendas externas até estão crescendo, mas, no caso dos modelos de luxo, fica mais barato para as montadora levá-los aos países vizinhos a partir da Europa e dos EUA.

Enquanto isso, fábricas que prometiam sacudir a economia, com produção anual expressiva, estão fracassando. A chinesa Chery inaugurou em 2014 sua planta em Jacareí (SP), com a promessa de fazer 50 mil modelos já naquela ano e 150 mil até 2018.  Em 2015, a montadora vendeu somente 5.328 modelos no País.

A JAC ergueria na Bahia uma planta de 200 mil unidades ao ano. Porém, antes mesmo do auge da crise econômica, a marca enfrentou dificuldades para fazer grande volume no País, por causa das restrições às importações determinadas pelo Inovar.


Agora, o rumor é de que a planta nem será mais erguida. Nos bastidores, fala-se também que ela será inaugurada, mas para produzir apenas 20 mil unidades ao ano.

Após fechar diversas concessionárias, a JAC vendeu em 2015 apenas 5.024 carros. Sua operação no País respira por aparelhos.

O mesmo ocorre com a Kia. A sul-coreana estava se destacando no País por vender carros de boa qualidade a preços bem mais acessíveis que os de muitos nacionais. Após o Inovar, as vendas despencaram. Concessionárias em todo o País estão sendo fechadas.


CONQUISTAS

É o regime, no entanto, que vem proporcionando melhorias no carro nacional. Isso porque o Inovar não é apenas sobre protecionismo, mas também sobre melhorias na segurança e nos níveis de emissão dos veículos vendidos no País.

É por causa do Inovar que estão surgindo no Brasil motores mais modernos e econômicos. Bons exemplos são os três-cilindros da Ford e da Volkswagen – os de Peugeot, Fiat e GM também vêm aí.


O 1.0 turbo do Volkswagen Up! TSI, que entrega até 700 km de autonomia com um tanque de combustível – com gasolina -, aliás, estreou aqui antes de ser lançado na Europa. A Honda, com a nova geração do Civic, também passará a oferecer no Brasil um moderno 1.5 turbo.

Quanto à segurança, a partir de 2022 todos os modelos à venda no País passarão a trazer programa eletrônico de estabilidade, conhecido como ESP e já obrigatório na Europa desde 2014.  O recurso é grande aliado para evitar acidentes por erro do motorista, ou em situação de chuva forte, já que corrige a trajetória das rodas.

Independentemente das perdas e ganhos do Inovar, porém, a indústria automobilística atravessa um período sombrio, após anos de recordes sucessivos que colocaram o Brasil entre os quatro maiores mercados do mundo.


A crise inviabilizou todas as projeções feitas pelas montadoras e já dá para imaginar que novos projetos, em estudo, podem ser abandonados, estacionando o processo de modernização dos carros nacionais.

Pessimistas, executivos já preveem melhoras só a partir de 2020. E há um consenso: é preciso, com urgência, resolver a crise política. Só assim a economia voltará a caminhar.

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