Na edição de 17 de julho do Jornal do Carro, no comparativo entre Sentra e Cruze, cravei: dos carros abaixo de R$ 100 mil, o Cruze é hoje melhor entre os produzidos no Brasil e Argentina. E agora acrescento: se não fosse pela nacionalização de veículos de marcas de luxo alemãs e da Land Rover, a maioria com quase 100% de peças importadas, o Chevrolet seria o melhor independentemente da faixa de preço.
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A expressão “por ora” escrevi especificamente por dois motivos: Nissan Kicks e Honda Civic, ambos a serem lançados em agosto. No dia 17, os dois carros ainda eram um tanto misteriosos. Mas, nesta semana, surgiram todas as informações sobre eles.
Não vou entrar muito no mérito do Kicks; não andei no carro, mas o editor assistente Diego Ortiz assegurou que ele é excelente, embora a mecânica, com um fraco motor 1.6, seja quase um pecado. De todo modo, ele vem do México e apenas na versão mais cara. Só se tornará mais competitivo após ganhar uma gama variada, o que deve ocorrer no fim do ano, após passar a ser feito em Resende (RJ).
Com o Civic é diferente. Já tive a chance de avaliar o carro, em maio, nos Estados Unidos. E, a partir de minhas impressões, imaginei que ele tinha grandes chances de desbancar o Cruze no posto de melhor do Mercosul abaixo de 100 mil reais. Agora, com preços e versões divulgados, já posso cravar: ele não tem condição de alcançar esse feito.
E digo mais: o carro poderia ser um forte candidato a desbancar o Corolla do primeiro lugar em vendas no segmento, ou, numa análise mais realista, ao menos diminuir a acachapante vantagem do líder no ranking – o Toyota vende mais que todos os rivais juntos. Agora, minha análise é outra: o Civic corre sério risco de perder para o Cruze o segundo lugar na lista dos mais emplacados da categoria.
Mas o que mudou de maio, quando, na Califórnia, fiquei levemente encantada com o novo Civic, para hoje? A mudança foi a divulgação do catálogo de versões e, principalmente, dos preços do Civic brasileiro.
Em primeiro lugar, esqueçam os 87.900 reais de preço inicial. Esse é o valor da versão manual, e, de acordo com a própria Honda, esse tipo de câmbio não vende em segmentos de maior valor agregado. Prova é o HR-V: o mecânico representa 1% dos emplacamentos totais da linha.
Então, o preço inicial de fato é quase 95 mil reais, valor da versão Sport CVT. É pouco menos que o pedido pelo Cruze LTZ, topo de linha e muito mais bem equipado.
O novo Civic é bonito, mas não traz nada demais. Seu motor é o mesmo da geração anterior, um 2.0 aspirado flexível de 155 cv sem tecnologias inovadoras. Nada de turbo, nada de injeção direta de combustível.
Isso num contexto de Inovar- Auto, regime que valoriza muito esse tipo de tecnologia. O Up! já a tem. O Fiesta, também.
Esses dois sistemas, que privilegiam tanto o melhor desempenho quanto a redução do consumo, estão no magnífico 1.4 da Chevrolet. A potência é até semelhante, mas podem apostar: o Cruze tem tudo para entregar um desempenho muito mais instigante que o do Civic 2.0, principalmente na cidade.
Além disso, o consumidor dessa faixa de preço é antenado e gosta de tecnologias que inovam no segmento. A maioria vai saber que esse motor de 2 litros do Civic se tornou defasado.
O sedã médio da Honda traz agora câmbio CVT. Não sei como será o comportamento dele combinado ao motor 2.0. Nos EUA, avaliei o carro com essa transmissão, mas com o propulsor 1.5 turbo, do qual falarei mais à frente.
Achei um excelente CVT. Tem conversor de torque e, entre os câmbios desse tipo, é o melhor que já experimentei. Ainda assim, trata-se de um CVT, mais ajustado ao conforto que ao desempenho. O do Cruze é o mesmo automático de seis marchas da geração anterior. Não é um grande destaque, mas casa bem com o motor 1.4 turbo, sem comprometer seu desempenho.
Mais: não há nenhum problema de falta de conforto no câmbio do Cruze. Ele é suave e funciona sem trancos.
Quanto aos equipamentos, é inegável que o Civic sai de fábrica bem recheado. Vem com câmera de ré, só disponível no pacote opcional do Cruze LTZ – que eleva seu preço para cerca de 106 mil reais. Outro destaque do Honda é o ótimo sistema de vetorização do torque.
Porém, a verdade é que o Civic não traz nada de inovador nas versões 2.0: seus equipamentos já estão na maioria dos rivais – ao menos nos lançados ou renovados recentemente.
Aí entramos no motor 1.5 turbo, uma maravilha da engenharia, com 173 cv e ótimo torque em baixa rotação. A Honda colocou esse propulsor, a cereja do bolo do novo Civic, apenas na versão de topo, Touring, que custa quase 125 mil reais. Gente, como assim?
Isso é preço pra brigar com o A3 Sedan, que custa R$ 106.990 na versão com motor 1.4 turbo de 150 cv. E a Honda, embora tenha excelente reputação, não garante ao cliente o status de luxo que a Audi garante.
É preço também para concorrer com Ford Fusion, de dimensões maiores e com preço inicial 114.400 reais.
Aí vem outra decepção: mesmo o Civic Touring, com todo esse preço, não traz tudo o que se espera. A seu favor, há o fato de ser o único do segmento com faróis totalmente de LEDs. E há um sistema com câmeras que projetam imagens na tela central para reduzir pontos cegos.
Mas é só. A versão que dirigi nos EUA tinha função adaptativa para o controlador de velocidade, carregador de celular por indução e leitores de faixas de rodagem. O brasileiro não tem. Já o Cruze, por quase 20 mil reais a menos, traz tudo isso.
A favor do Civic também há o fato de ele ter suspensão independente nos dois eixos. A maioria dos rivais, inclusive Cruze e A3, tem eixo de torção atrás.
O consumidor do segmento deve considerar isso na hora da compra. As suspensões independentes são mais sofisticadas, melhores e, por isso, encarecem um carro. Mas, verdade seja dita, na prática, em situações cotidianas, não fazem grande diferença, infelizmente.
A verdade mesmo é que a diferença é sentida na hora de fazer curvas mais fortes. E não pelo motorista comum, o que é o caso da maioria. É preciso ser muito experiente para ter essa sensibilidade.
E esse é o panorama da chegada do novo Civic. Sinceramente, dizer que ele vai perder o segundo lugar para o Cruze é muito mais um palpite que uma aposta.
Apostar requer certeza, e o comportamento do consumidor do País é muito peculiar. O brasileiro confia na Honda de olhos fechados. E na Toyota. Caso contrário, o Corolla, um carro cuja atual geração já nasceu defasada , não seria um líder tão absoluto.
Caso contrário, o Focus Sedan, cheio de tecnologias, com boa dirigibilidade e bastante ágil, teria mais relevância no segmento.
Quando a Honda lançou o HR-V, criticou-se muito seu preço. E ele agora é o líder do segmento. Mas a realidade é diferente da do Civic. Os valores do utilitário , no fim das contas, são mais condizentes com os dos rivais do que no caso do sedã.
O Renegade, lançado um mês mais tarde, veio com faixa de preço semelhante. E, em vendas, não está tão atrás assim do HR-V – chegou até a liderar o segmento em alguns meses do ano passado.
2008, EcoSport e Tracker têm versões mais baratas. Porém, o Peugeot nasceu com estratégia errada, o Ford já está defasado e o Tracker nunca teve atributos para cair no gosto do brasileiro.
E agora, o que vai ser? O brasileiro vai perceber que o Civic está caro demais para o que oferece ou vai cair como louco em cima do carro , a ponto de formar imensas filas de espera para receber o sedã? Façam suas apostas.
Ah, eu ia me esquecendo de dizer algo importante: erros de posicionamento de preços e de versões à parte, o novo Civic é um baita carro, com dirigibilidade e construção soberbas.
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