Primeira Classe

Interlagos entra na era dos autódromos modernos. Mas, e se a F1 nos deixar?

Estrutura ficou moderna e funcional sem perder a essência, mas reforma não terá sido válida se a F1 se tornar apenas uma bonita memória no passado dos brasileiros. Algo que está bem próximo de acontecer

Rafaela Borges

15 de nov, 2016 · 12 minutos de leitura.

Interlagos entra na era dos autódromos modernos. Mas, e se a F1 nos deixar?
Crédito: Estrutura ficou moderna e funcional sem perder a essência, mas reforma não terá sido válida se a F1 se tornar apenas uma bonita memória no passado dos brasileiros. Algo que está bem próximo de acontecer

 

Em meu quinto ano de cobertura do Grande Prêmio do Brasil – e em minha décima corrida de F1 em Interlagos “in loco”, pois, antes, já havia acompanhado outras cinco com público , e não imprensa -, senti orgulho. Orgulho de verdade.

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(No Instagram: @blogprimeiraclasse)

Interlagos é, junto com Suzuka e Spa, uma das pistas mais amadas pelos pilotos. E ela continua lá, com seu traçado curto e inalterado, seu mítico e conturbado “S”, suas curvas de média e algumas de alta. Seus desafios que despertam emoções no público e nos pilotos. E a chuva, sempre ela. Intensa ou moderada, rápida ou interminável, ela quase sempre aparece para criar feitos inesquecíveis na história da corrida.

Eu sempre me orgulhei do traçado de Interlagos. Agora, sinto orgulho também pelo resto. O autódromo reformado, cuja prévia havia sido mostrada na corrida do ano passado, está quase pronto. E ficou incrível.


No paddock, quase tudo o que identificava Interlagos como Interlagos continua lá. Porém, com ares muito modernos, que agora lhe garantem beleza e funcionalidade. Não foi uma mudança de geração, para fazer um paralelo com o mundo dos carros de rua. Foi uma reestilização profunda e muito bem sucedida. Uma atualização para colocar o autódromo paulistano em dia com o que há de mais moderno no mundo da competição. Uma evolução, não uma transformação.

A marca registrada é o novo prédio de vidro, desses que a gente vê quando trafega na marginal do rio Pinheiros, e que sempre dão um aspecto moderno a qualquer local. No ano passado, ele não estava funcionando. Agora, está. Alguns andares ainda estão sendo finalizados, mas outros estão ocupados por espaços administrativos. O grande destaque deste ano foi o Sky Lounge, o camarote da Mercedes.

Vou deixar de lado a estrutura interna e os mimos oferecidos aos convidados. Aqui neste post, são aspectos que não têm a mínima importância. O que vale a vista. Quase do autódromo inteiro. O miolo, o início da reta dos boxes, a largada, toda a movimentação da área dos boxes. Tudo pertinho, bem pertinho.


Na parte de fora, construíram um deque, que fica bem ao lado do pódio. A não ser que você esteja no próprio pódio, é impossível acompanhar a cerimônia de premiação de um ângulo mais próximo que este.

Aí chegamos ao paddock, área que fica atrás dos boxes e é onde tudo acontece na Fórmula 1 antes e depois de a corrida rolar. O epicentro da categoria, o coração do circo. Nossa, como era ruim, apertado, sem estruturas decentes para acomodar o pessoal das equipes.

A reforma deixou mais larga a área do paddock. Para este ano, os carrinhos de pneus não ficam mais batendo uns nos outros enquanto se deslocam. E os engenheiros, pilotos e convidados não ficam mais se trombando por aí nos momentos em que há mais gente por lá.


Os antigos escritórios, que não passavam de salinhas apertadas, com uma porta de tamanho convencional, estão agora maiores. Em vez de paredes, vidros, o que permite acompanhar o que está rolando lá dentro. Portas grandes, evitando tumulto na entrada e na saída, algo que era comum.

A parte de cima dos boxes também passou por reforma. Por lá, fica o “Premium Paddock Club”, o mais badalado – e caro – dos camarotes à venda. Uma das novidades deste ano é a reforma daquela região do circuito.

Enfim, como eu disse: bonito, funcional e sem perder a essência.


Mas, aí, chega a parte chata. Tudo isso pode ter sido em vão. O GP do Brasil ainda não foi confirmado para o ano que vem, disse Bernie Ecclestone, que á praticamente o dono da categoria (ainda), em entrevista ao colega Livio Oricchio, do site Globoesporte.

Bernie disse também que há chances concretas de a corrida não voltar a ocorrer no ano que vem, e que deverá haver uma sinalização mais clara sobre isso no próximo mês.

O problema é que a organização do GP do Brasil e a FOM, detentora dos direitos da categoria e liderada por Bernie, não se entendem quanto a valores. A estimativa é que o prejuízo dos organizadores neste ano seja de R$ 100 milhões, algo assustador. E, para Bernie, eficiente homem de negócios, mas um tanto determinado em ideias fora do contexto no mundo moderno, se quem promove Interlagos não quer ou não pode mais pagar, sempre haverá quem queira. Ou possa.


É uma pena, porque, fora da Europa, não existe torcida mais apaixonada que a brasileira. É tocante ver a emoção e a energia contagiante do público, que enfrenta frio, chuva, filas, bebidas e comidas superfaturadas e um monte de contratempos para vibrar com aqueles carros que, talvez, tenham povoado seus sonhos desde a infância. E com os pilotos, claro. Os pilotos para os quais torcem – e tem muita gente que não se importa se há ou não brasileiro no páreo.

Bem, mas o fato é que a maioria se importa sim. E Felipe Massa, maior ídolo brasileiro da Fórmula 1 desde a morte de Senna – sim, as pessoas gostam mais dele que de Rubinho -, está dizendo adeus. Deixa a Fórmula 1 no fim deste ano.

Felipe Nars pode ficar. Deve ficar, aliás. Na fraquíssima Sauber. Mas nem isso está confirmado. A Sauber, equipe que há anos respira por aparelhos e dona de uma condição financeira precária, precisa de pilotos pagantes para continuar na categoria. Nars tem aporte financeiro do Banco do Brasil. Nessa crise que enfrentamos, o banco continuará pagando? Ou melhor: continuará pagando o que a Sauber quer? A conferir.


A escassez de pilotos do Brasil tira o interesse que muitos têm na categoria. Some a isso os ingressos caros e a crise pela qual passa a maioria dos brasileiros e pronto: ingressos sobrando. Eu até achei que, nesse contexto, as arquibancadas estavam bem cheias. No dia da corrida. Nos treinos, quase não havia espectadores.

Mais que deixar o público órfão, a saída da Fórmula 1 vai deixar Interlagos órfão. Já estive em alguns autódromos europeus que deixaram de sediar a categoria, e a condição deles é precária. E olha que estamos falando de Europa, onde o automobilismo existe: há muitas outras categorias além da F1.

No Brasil, o automobilismo está na UTI há anos, e agora parece bem próximo da morte. Em Interlagos, além da Stock Car, de popularidade mediana, há algumas categorias destinadas a pilotos pagantes, promovidas por montadoras.


O que fazer com Interlagos, sem a Fórmula 1? Alugar para eventos, a maioria de montadoras? A conta não chega nem próxima de fechar, seja para a prefeitura ou para alguma empresa particular, se o autódromo for mesmo privatizado, processo que parece estar entre as prioridades do próximo prefeito de São Paulo, João Dória.

E o que fazer com toda aquela estrutura, que demandou alto investimento e que foi pleiteada por Bernie e outros dirigentes da Fórmula 1? Sem a principal categoria do automobilismo, toda aquela beleza e funcionalidade não vão servir para nada, sinceramente.

Soluções? Talvez exista uma luz no horizonte quando a empresa americana Liberty Media assumir a categoria – se é que isso vai mesmo acontecer -, em abril.


Privatização? Isso resolve para as contas da prefeitura, mas não garante a continuidade do GP do Brasil.

Uma pena! Mas estamos na torcida para que tudo se resolva. Ou, no futuro, vamos ver a F1 na internet – porque talvez não exista mais transmissão nas TVs do País – e nos lembrarmos com saudades daqueles tempos de Interlagos. De Piquet, de Senna, de Massa em 2008, de tantas decisões de campeonato que ocorreram no circuito. Nossos filhos e netos? Não vão saber nem do que se trata.

 


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