Eu não costumo ficar sentimentalista em efemérides sobre a vida e a carreira de Senna. Hoje, minha “timeline” no Facebook e meu “feed” no Instagram foram bombardeados por homenagens ao ídolo brasileiro. Tomei conhecimento de que, se vivo, ele estaria completando, neste 21 de março, 55 anos.
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Então, me lembrei de algo que é muito importante em minha vida. Não costumo falar muito sobre isso, porque acho que passado é passado. Senna se foi e a vida, como a Fórmula 1, segue. Mas a realidade é que nem sempre pensei desta maneira.
Eu era uma “viúva” do Senna nos primeiros anos após sua morte. Comecei a acompanhar Fórmula 1 não pela categoria, mas para torcer pelo ídolo brasileiro, ouvir a musiquinha piegas, ver a bandeira do País. Quando ele se foi, tinha 12 anos e sofri pelo ídolo, fiquei inconformada. Mas continuei acompanhando Fórmula 1, chateada com os trunfos de outro, leia-se Michael Schumacher, que eu acreditava que deveriam pertencer a Senna. Pura bobagem, mas fazia sentido na minha cabeça adolescente.
Algo bom veio com isso. O luto passou e eu comecei a gostar de verdade da Fórmula 1, admirar a tecnologia dos carros e a audácia e talento dos pilotos. Ironia do destino, Schumacher se tornou meu favorito. E foi a paixão por Fórmula 1 que me fez, no último ano de jornalismo, aceitar um emprego em um site sobre automóveis que tinha editoria de automobilismo.
O que era para ser provisório, porque meu sonho era o jornalismo político, acabou se transformando em minha vida profissional. Logo eu fui para outro site sobre automóveis, mais relevante, hospedado em um grande portal. E, anos depois, vim para o Jornal do Carro. Aprendi a amar o que faço, e isso graças a Senna, que despertou meu entusiasmo pela Fórmula 1, que, apesar de não ser o foco do núcleo em que atuo, continua sendo uma paixão e, felizmente, tem tudo a ver com a indústria automobilística.
Tanto a ver que, logo descobri, Senna, meu ídolo do passado, teve atuações muito relevantes em dois momentos importantes da indústria e do mercado automobilístico. No Brasil e no mundo. Um deles voltou a ficar em evidência neste ano, com o retorno da Honda à Fórmula 1 e, principalmente, o lançamento da nova geração do NSX. Um carro que é impossível não associar ao tricampeão.
No Salão de Detroit (EUA), em janeiro, quando o carro foi apresentado, a Acura, subsidiária de luxo da Honda (o novo esportivo será vendido sob esta bandeira no mercado norte-americano), mostrou vídeos de Ayrton testando o primeiro NSX na pista. Ele mesmo tinha três exemplares do carro; um deles, que fica aqui no Brasil e é mantido pela família, foi avaliado pelo então repórter do Jornal do Carro Leandro Alvares. O segundo também ficou no País.
O outro, que ele mantinha em sua casa na região do Algarve, em Portugal, recentemente ressurgiu na Europa e foi colocado à venda em leilão.
A atuação de Senna na história do NSX foi semelhante à de Schumacher em diversos modelos da Ferrari quando atuava pela escuderia italiana. Senna, piloto da McLaren, parceira da Honda, levou o esportivo japonês à pista para dar suas impressões sobre o carro e sugerir ajustes que melhorariam sua dirigibilidade e desempenho, entre outros aspectos.
O tricampeão foi um piloto de testes de luxo, e a Honda usou e abusou deste fato para promover o primeiro NSX, que foi apresentado ao mundo no Salão de Chicago de 1989.
Alguns dados sobre o antigo NSX. De acordo com a Honda, ele acelera de 0 a 100 km/h em 5,6 segundos e atinge 270 km/h de velocidade máxima. E uma curiosidade sobre a nova geração do modelo: também conforme a montadora, apesar de o carro ter sido desenvolvido essencialmente nos EUA, ele teve participação de engenheiros japoneses que trabalharam junto com Senna na concepção do primeiro modelo.
A outra relação de Ayrton Senna com a indústria automobilística tem a ver com a Audi. Foi o tricampeão que trouxe a marca ao Brasil. Jornalistas com quem convivo hoje, entre eles Eduardo Pincigher, que atualmente é assessor de imprensa de uma importadora de veículos, mas na época era repórter de uma revista, contam histórias sobre isso.
Pincigher esteve em Interlagos cerca de dois meses antes da morte de Ayrton para que o piloto apresentasse à revista a o S4, um dos primeiros Audi do Brasil. Fazia parte da estratégia de lançamento da marca, da qual Senna seria o importador.
Aqui, cabe um parêntese: quando Senna morreu, em 1º de maio de 1994, ele já tinha 34 anos. As pessoas querem acreditar que, se tivesse sobrevivido ao acidente, o tricampeão ganharia diversos outros títulos e seria o maior da história não apenas na opinião alheia, mas também nos números.
Dificilmente, Senna alcançaria Juan Manuel Fangio, que então era o maior detentor de títulos – e depois foi superado por Schumacher. Isso porque, aos 34 anos, ele já estava bem próximo da aposentadoria. Um dos mais longevos pilotos da F1, Barrichello deixou a categoria por volta dos 40. Schumacher, que havia se retirado aos 36 – idade média da aposentadoria na F1 -, voltou depois e ficou até os 42. Ambos são exceções.
Por isso, aos 34, Senna já planejava se tornar um empresário ligado ao mundo do automóvel, preparado para o iminente fim de sua carreira. A Audi era a principal jogada nesse sentido.
Voltando a março de 1994 em Interlagos, naquela ocasião Senna guiou o carro com Pincigher de passageiro e lhe concedeu entrevista. Depois disso, foi a vez de os próprios jornalistas dirigirem o S4.
O piloto também chegou a fazer a festa de lançamento da Audi no Brasil, em São Paulo. Foi uma das primeiras aparições de Senna com a última namorada, Adriane Galisteu, com quem ainda estava quando morreu em Imola, na Itália.
Ele, porém, nunca chegou a atuar diretamente na montadora. Com sua morte, quem assumiu as operações foi o irmão, Leonardo Senna, que teve muito sucesso no desenvolvimento da marca no País. A Audi era desconhecida por aqui e chegava com uma missão muito difícil: ser rival das poderosas BMW e Mercedes-Benz.
Com a produção do A3 no País, a partir do fim dos anos 90, a Audi conseguiu, em vendas, ser muito mais relevante que as duas concorrentes. A fábrica, em São José dos Pinhais (PR), era coordenada pela matriz da Audi e ficava no mesmo complexo da planta da Volkswagen, a dona da montadora.
Leonardo encerrou sua parceria com a Audi em 2005, quando, com o fim da produção local do A3, a empresa se tornou importadora e 100% da operação foram assumidos pela matriz.
Depois disso, vieram tempos difíceis, mas recentemente a montadora passou a fazer frente no mercado, novamente, à BMW e à Mercedes. Inclusive, voltará a produzir na fábrica do Paraná. Em meados deste ano, o A3 Sedan começa a ser feito por lá.
E é isso. Nem o NSX nem a Audi do Brasil teriam sido o que são, ou foram, sem as mãos de Ayrton Senna. Então, neste aniversário, esta é minha homenagem ao ídolo.
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