Há alguns anos, assistir filmes norte-americanos e ver que praticamente todos os personagens do elenco guiavam utilitários esportivos parecia coisa de outro mundo. Agora, basta colocar a cara na rua para notar que o brasileiro seguiu exatamente essa linha e, neste ano, passou a consumir, acredite, mais SUVs do que hatches. A categoria já soma 41% do mercado. E esse número tende a crescer ainda mais já no ano que vem.
Para se ter ideia, de acordo com números da Fenabrave, associação que reúne os concessionários do País, no acumulado do ano, o número de SUVs vendidos até setembro ultrapassa o montante de veículos de entrada, hatches pequenos e hatches médios em 52.663 unidades. Nesse sentido, enquanto a categoria de utilitários vendeu 483.507 unidades de janeiro para cá, os outros três segmentos juntos não passaram dos 430.844 emplacamentos.
De fato, nunca se vendeu tanto SUV no Brasil. Contudo, existem alguns fatores que contribuíram com essa alta. “Primeiro, que esse trend de SUV é global e o consumidor brasileiro também vem buscando cada vez mais esse tipo de veículo. Segundo, que a oferta de SUVs aumentou bastante”, pontua Fernando Trujillo, consultor da IHS Markit.
Segundo ele, não é preciso ir muito longe, afinal, em 2015 existiam 98 modelos de SUVs vendidos no Brasil. Hoje, são 128. “Isso nada mais é que uma estratégia das montadoras. É necessário atender essa demanda crescente. A expectativa é que em 2025 hajam 144 diferentes modelos (de SUVs) no mercado”, salienta Trujillo.
De acordo com recente estudo da consultoria KPMG, com base na LMC Automotive, divulgado com exclusividade pelo Estadão, os SUVS devem crescer 12% nos próximos quatro anos, diminuindo ainda mais a participação dos modelos de entrada. Nesse sentido, utilitários esportivos serão 46,3% do mercado em 2025.
A crise
Outro fator que ajudou os SUVs a virarem líderes de mercado esse ano foi a crise econômica e dos semicondutores. “Por meio dela, as montadoras optaram por focar a produção em veículos com margens maiores de lucro”, explica Trujillo.
Trocando em miúdos, as fabricantes vêm preferindo fabricar SUVs em detrimento dos compactos (sedãs, hatches e afins). Afinal, o primeiro vai render muito mais retorno financeiro à montadora ao mesmo tempo em que utiliza quantidade semelhante de matéria-prima. Um HB20, por exemplo, tem praticamente a mesma construção de um Creta. Derivados, têm quase as mesmas tecnologias e usam quantidade de chips semelhante. Entretanto, lá na frente, o SUV é vendido por quase o dobro do preço.
Para informação, o HB20 custa entre R$ 66.390 e R$ 97.490. Já o Creta vai de R$114.490 a R$ 159.190 – não consideramos aqui o Action, de geração passada. Cabe salientar que os preços mencionados são referentes a São Paulo, onde o ICMS é mais alto.
Nesse sentido, com a oferta maior de SUVs, tanto em diversificação quanto em disponibilidade, os consumidores de veículos de entrada sumiram do mercado. Afinal, por que esperar seis meses pela chegada de um hatch sendo que é possível pegar um SUV em poucos dias?
Vai continuar?
A chegada de novos players ao segmento, como Fiat Pulse, Hyundai Creta e Jeep Commander, por exemplo, deve alavancar a categoria ainda mais daqui para frente. Entretanto, para Paulo Garbossa, consultor da ADK Automotive, “não dá para prever, afinal, estamos num momento atípico do mercado. Só quando tudo voltar ao normal, poderemos separar o joio do trigo”, menciona ele, em relação às situações supracitadas.
Mesmo com preços mínimos que rondam os R$ 100 mil – salvo o Pulse, que chegou com valor agressivo na versão de entrada, de R$ 80 mil – os SUVs vêm se sobressaindo até mesmo aos compactos (Fiat Mobi e Renault Kwid), que rondam a casa dos R$ 50 mil. E, se depender da visão dos especialistas, essa demanda vai continuar e ultrapassar os 50% de share no futuro próximo.
Outro exemplo é o Volkswagen T-Cross, que foi o segundo SUV mais vendido do mercado – só perde para o Jeep Compass – emplacou 5.733 vendas em setembro. Enquanto isso, o veterano Gol, que liderou as vendas nacionais por vários anos, não passou das 3.141 unidades. Respectivamente, SUV e hatch estão no 3º e 13º lugares do ranking de automóveis divulgado pela Fenabrave.
Para se ter ideia, o Toyota Corolla vende mais que todos seus concorrentes juntos (54,1% de share no segmento de sedãs médios). Ainda assim, suas 2.280 unidades vendidas em setembro estão abaixo do irmão Corolla Cross. O SUV, em síntese, emplacou 3.050 unidades no período.
A explicação para isso, de acordo com especialistas está nas vantagens dos SUVs. Em comparação com modelos compactos, têm mais espaço, estilo e – embora muitos não tenham tração 4×4 – capacidade de enfrentar o (péssimo) solo brasileiro, com mais altura em relação ao solo. Além disso, em muitos casos o espaço interno é maior e a tecnologia é mais vasta. Sem contar a diferença de preço cada vez menor. Em síntese, o consumidor busca cada vez mais o custo-benefício na hora de fechar negócio.
SUVs que não são SUVs
Ressaltado por fontes do mercado, um fator interessante que contribui para a alta nas vendas de SUVs é o fato de que, hoje, qualquer hatch vira utilitário esportivo. Basta pegar modelos como Caoa Chery Tiggo 2 e Tiggo 3X, que nada mais são que o hatch Celer adaptados à nova realidade. Outro exemplo clássico é o Volkswagen Nivus. Sobre a base do Polo, o modelo tem tamanho e porte de hatch, entretanto, por ser um pouquinho mais alto é classificado como SUV. O visual recheado de apliques plásticos salta aos olhos da clientela.
E o negócio lucrativo não para por aí. Sucesso em ourtos mercados emergentes, como a Índia, por exemplo, o Brasil espera a onda dos mini-SUVs. O primeiro deles é o Citroën C3, que deixa de ser considerado hatch na nova geração, prevista para ser produzida no Brasil já em 2022. Na sequência, Hyundai, Nissan, Renault, e companhia também lançarão seus exemplares. Até o Gol vai virar SUV – mesmo que com tamanho compacto. Esse é o futuro…