A nova geração do hatch Fiesta começou sua carreira importada do México em 2011. Dois anos depois, chegava a versão nacional, inicialmente feita em Camaçari (BA).
O Fiesta brasileiro chegou com duas grandes inovações. Foi o primeiro do segmento de hatches compactos nacionais a trazer sistema eletrônico de estabilidade (ESP). Além disso, incorporava o câmbio automatizado de duas embreagens, até então exclusividade em modelos mais caros, sobretudo importados.
Pouco tempo depois, o câmbio automatizado se tornaria o fardo do Fiesta. Posicionado como um modelo premium (acima dos de entrada e sem versão 1.0), o hatch tinha na versão sem pedal de embreagem um grande apelo.
LEIA TAMBÉM
E de repente, esse câmbio, batizado de Powershift, começou a dar problemas que a Ford parecia não ser capaz de solucionar. Não só no Brasil: a falha era mundial, e lá fora a transmissão logo deixou de ser oferecida.
VEJA TAMBÉM: USADOS PARA NÃO CHEGAR NEM PERTO
Os detalhes sobre os problemas do câmbio Powershift você pode ler aqui.
Quando a Ford lançou o novo Ka (terceira geração brasileira), em 2015, transferiu a produção do Fiesta de Camaçari para São Bernardo do Campo (SP). A planta baiana ficou responsável pela produção do hatch de entrada e do EcoSport.
Logo, o Fiesta deixou de ser o Ford mais vendido, posto que foi assumido para o Ka. O novo hatch pequeno, que não havia feito sucesso na primeira geração (aquela com visual polêmico, com, a tampa do porta-malas achatada) e melhorara na segunda, havia se tornado um sucesso e tanto.
Estratégias da Ford
O que você vai ler agora é minha análise sobre as estratégias que a Ford adotou e que, na minha opinião, levaram ao fim do Fiesta.
O segmento de hatches premium, que ia de vento em popa, viu as vendas despenarem nos anos que sucederam a chegada do Ka.
O Chevrolet Sonic deixou de ser oferecido no Brasil e o Fiat Punto já não brilhava mais como antigamente (logo, sairia de linha). Peugeot 208 e Citroën C3 também não vendiam bem.
A impressão é de que, para a Ford, pareceu ser mais negócio investir todas as fichas no EcoSport e no então novo Ka. Foi assim que, em 2017, a marca decidiu retirar do SUV (integrante do segmento mais badalado do País) o câmbio Powershift.
VÍDEO: Ka Sedan automático em detalhes
Pouco tempo depois, o Fiesta foi atualizado, recebendo mudanças mecânicas e uma central multimídia decente. Esse sistema já estava disponível na versão de topo do sedã, mas a Ford demorou demais para colocá-la no hatch. Foi preciso chegarem o Argo e o Polo, para reanimarem o segmento. Sobre os novos concorrentes, falaremos mais abaixo.
Vale lembrar que, na Europa, o Fiesta já tinha nova geração, que a Ford decidiu não lançar aqui. Acredito que essa decisão já sinalizava que a marca não apostaria mais fichas altas no carro.
Isso, porém, não foi o principal problema. Afinal, o Fiesta brasileiro ainda era atual.
A “bomba” mesmo foi a decisão da Ford de manter o câmbio Powershift no modelo. À época, escrevi uma análise sobre o tema. Na minha opinião, foi um erro, até porque na época ainda não havia indícios de que a marca pretendia tirar o Fiesta de linha.
Afinal, quem faz mudanças em um carro que vai deixar o mercado um ano depois? As mudanças, ainda que sutis, geram custos.
Veja também: Os carros mais vendidos no mundo em 2018
Fiesta x Ka
Antes da chegada do Polo e do Argo, enquanto os hatches premium não iam bem, o segmento formado por carros como Onix e HB20 explodia. Esses modelos ficavam entre os de entrada (na época, Uno, Up! e até mesmo o Gol) e os compactos mais sofisticados.
Eles tinham versões 1.0, diferentemente de Fiesta, 208 e cia. Além disso, já saiam de fábrica pelo menos com o básico (ar, direção e travas e vidros dianteiros elétricos).
Em vez de rebaixar o Fiesta, a Ford fez um “upgrade” no Ka quando ele mudou de geração. E deu certo. Atualmente o modelo briga com o HB20 pelo posto de segundo mais vendido do Brasil.
Então, veio o ano de 2017 e o Fiesta precisava de atualizações para ter alguma chance de continuar existindo, ainda que com vendas não muito altas.
A impressão é de que a Ford teve de fazer uma escolha: colocar câmbio automático de seis marchas no Ka ou no hatch premium. E escolheu aquele que passou a ser seu carro mais vendido para receber a melhor transmissão (no início de 2018).
Ao Fiesta, restou manter o Powershift. E tentar sobreviver assim.
Polo e Argo
Argo e Polo, que têm versões básicas, mas também opções premium (rivais do Fiesta), estão fazendo muito sucesso. Ambos figuram entre os dez mais vendidos do País.
O Fiesta poderia ter sido “o Polo da Ford”. Se a Ford tivesse, à época, a sacada de lançar uma versão de entrada, com motor 1.0, o modelo poderia ter feito o sucesso que o Volkswagen faz agora.
Mas a Ford preferiu ter o Fiesta como um hatch compacto premium. A estratégia poderia ter dado certo, se não fosse a crise na qual o País mergulhou a partir de 2014, que derrubou as vendas de carros novos.
Há poucas semanas, a Ford deixou de oferecer o Fiesta com câmbio Powershift. Ali, já ficava claro que o modelo tinha pouco tempo de vida. Afinal, como pode um hatch premium ter apenas câmbio manual, enquanto o de entrada (Ka) oferecia transmissão automática?
O fim de linha
A notícia veio na semana passada: a Ford vai fechar a fábrica de S. Bernardo e não terá mais operação de caminhões no Brasil. Como o único carro de passeio feito por lá era o Fiesta, ele também dançou.
Penso que, se a Ford não fechasse a planta do ABC, o Fiesta até poderia sobreviver mais alguns anos. O fato é que a marca decidiu focar seus investimentos em picapes e SUVs (uma decisão mundial). Sobrevivem, em cada mercado, os modelos de grande volume, como o Ka, no Brasil.
No caso do Fiesta, com a decisão do fechamento da fábrica, não valia mais a pena insistir. Nos últimos três meses, o modelo teve médias de 700 unidades vendidas, algo bem baixo para o segmento.
Uma pena: foi um produto excelente, que marcou época para a Ford e teve pioneirismo entre os hatches compactos. R.I.P. Fiesta.
Newsletter Jornal do Carro - Estadão
Receba atualizações, reviews e notícias do diretamente no seu e-mail.