Primeira Classe

Fórmula E dá uma bela lição para a Fórmula 1

Principal categoria do automobilismo ainda tem resistência às redes sociais

Rafaela Borges

03 de fev, 2019 · 14 minutos de leitura.

Fórmula E Santiago" >
E-Prix em Santiago
Crédito: Foto: Rodrigo Garrido/Reuters

Eu estive na Fórmula E pela primeira vez na semana passada, no E-Prix de Santiago, no Chile. Sinceramente, nem a emoção na pista nem a estrutura se comparam à da principal categoria do automobilismo.

Ainda assim, acho que a Fórmula E está dando uma bela lição na Fórmula 1 quando o assunto é a conquista do público jovem. Não na pista, nem no local do evento. O show da categoria de carros elétricos é nas redes sociais. Especialmente em uma das mais poderosas ferramentas de divulgação atuais, o YouTube.

 

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Enquanto isso, a Fórmula 1 é um tanto “problemática”, por assim dizer, com as redes. Ela atua em todas: Facebook, Instagram, Youtube… E, de uns tempos para cá, atua bem em todas.

Só tem um problema: apenas a própria Fórmula 1 se “vende” nas redes. Ela não permite que ninguém mais a venda. E é aí que, na minha opinião, está o erro de uma categoria que vem tentando atrair mais público, especialmente o público jovem.


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A lição da Fórmula E

A Fórmula E ainda é uma categoria bem nova. Está em sua quinta temporada, mas tem uma receita bem legal: as corridas são sempre nas ruas ou parques de cidades importantes do mundo. Na lista, estão Roma, Paris e Nova York.


A categoria, para atrair o público, monta uma boa estrutura, com uma “vila” por onde circulam visitantes e pilotos (veja mais abaixo), que tem disponível estandes e locais para comprar comidas e bebidas.

Mas a reflexão sobre a lição que a Fórmula E está dando na Fórmula 1 não surgiu a partir do que eu vi lá, e sim após um vídeo que assisti ontem. Ele estreou neste sábado (2) no YouTube, no canal Acelerados, que a maioria das pessoas que curte carros e automobilismo deve conhecer – Rubinho Barrichello é um dos apresentadores.

O vídeo (veja abaixo), muito interessante, mostra os bastidores da Fórmula E. Os apresentadores aparecem no paddock, mostrando o trabalho das equipes, os pilotos e até as cabines de transmissão de TV. Vão também para as arquibancadas e filmam inclusive trechos da corrida.


Há mais de 20 mil visualizações em menos de 24 horas. É um número bastante considerável. Mais que isso: os comentários (e são muitos) mostram que o vídeo está conseguindo despertar interesse desse público pela categoria.

Não há maneira melhor de se conectar aos jovens do que YouTube e outras redes sociais. Eles podem participar, perguntar, opinar e, mais que tudo, ver aquilo que as TVs convencionais não mostram. Tudo isso na tela do celular.

Além disso, durante a cobertura da Fórmula E, foi bem comum ver jornalistas fazendo “lives” no Facebook sobre o evento. Algo que, na Fórmula 1, é terminantemente proibido.


Grandes canais de YouTube e fan pages importantes do Facebook podem ser grandes aliadas na divulgação do automobilismo. A Fórmula E entendeu isso. Na Fórmula 1, essas ferramentas não têm vez.

Como é na Fórmula 1

Já fui a várias corridas de Fórmula 1, no Brasil e no mundo. Quem tem credencial de imprensa escrita (sites, jornais, revistas) é proibido de filmar qualquer coisa. Nada de lives no Facebook, vídeos no Instagram…


Filmar os bastidores e depois reproduzir no YouTube do veículo de comunicação (o Jornal do Carro atua nesse canal; veja aqui)? Nem pensar!

Tem gente que consegue fazer “live”. E vídeos para o Instagram. Afinal, tudo isso é feito com o smartphone. Porém, quem faz sabe que, se for flagrado pelo pessoal da organização, poderá ter sua credencial apreendida e ser expulso do paddock (área atrás dos boxes onde estão as equipes de Fórmula 1).

Youtubers? Esqueça! Eles não são bem-vindos no paddock. Se a única maneira de se credenciar para a competição é um canal de YouTube, não importa se ele tem mil ou 10 milhões de inscritos. A resposta é não.


Canais de YouTube não são autorizados a divulgar conteúdo da F1. A não ser os canais oficiais das TVs que compram os direitos de transmissão.

 

 


Quem implementou essas proibições foi Bernie Ecclestone, antigo dono dos direitos comerciais da Fórmula 1, em uma época em que as redes ainda não existiam. Há alguns anos, esses direitos foram vendidos à empresa americana Liberty, que tem o claro objetivo de rejuvenescer a categoria para atrair público novo e jovem.

As restrições de Bernie, no entanto, foram mantidas. A razão são os contratos com as emissoras que transmitem as corridas.

Os direitos de imagem são da Liberty, e com elas a empresa pode fazer o que bem entender. Ela as vendas às redes de TV a preços estratosféricos, com a garantia de que não haverá transmissão das imagens por outras redes e/ou meios (como sites de internet, aplicativos, etc).


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Estratégia

Vendo o público da Fórmula 1 envelhecer, e diminuir, a Liberty começou a correr atrás do prejuízo. As redes sociais da categoria ficaram mais “engraçadinhas”, valorizando alguns pilotos como Kimi Raikkonen (o que mais tem o “carinho da torcida) e Fernando Alonso (que, em seus últimos anos, foi se tornando carismático).

No YouTube da F1, com quase dois milhões de seguidores, há diversas compilações com momentos divertidos dos pilotos. Dá para ver também os melhores momentos das corridas, e acompanhar alguns áudios de pilotos que não foram transmitidos durante a prova.


Diferentemente da Fórmula E, porém, não dá para ver corridas completas (por causa do tal contrato com as redes de TV).

 

 


Além de investir em redes sociais próprias, a Fórmula 1 está promovendo eventos chamados de “F1 Festival”. Já houve edições em Londres, Marselha e Xangai, por exemplo.

Eu estive em Marselha, durante o Grande Prêmio da França, em Paul Ricard, circuito próximo à cidade. O público não parecia muito entusiasmado com o festival, que tinha telões e bares (veja detalhes aqui).

Na Austrália, este ano, pela primeira na história a categoria vai promover uma cerimônia de abertura, reunindo todos os pilotos no centro de Melbourne antes do GP da Austrália, o primeiro de 2019. É uma forma de aproximar os competidores dos fãs.


Porém, se está modernizando a F1 em diversas frentes, a Liberty ainda está apegada a um velho “inimigo” de Bernie: o mundo na tela do smartphone.

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O que pode melhorar

De nada adianta fazer festivais e eventos para aproximar pilotos e fãs se a F1 continua “blindada”. O acesso ao paddock é restrito, e mesmo os trabalhos de box só são vistos por quem compra as arquibancadas em frente (caríssimas) e os camarotes (inacessíveis para quase toda a população mundial).

Muito diferente da Fórmula E, na qual os pilotos circulam na sexta-feira pré-corrida na “vila” montada para os fãs, jogando em simuladores e dando autógrafos. Eles são completamente acessíveis.


Mas não é nesse ponto principal que quero abordar, e sim a falta de sintonia entre a categoria e as redes sociais e instrumentos digitais de terceiros. Por que não permitir que fan pages de veículos credenciados façam lives mostrando o paddock e os bastidores da categoria, algo que a TV não mostra?

Por que não permitir reportagens como a que o canal de YouTube Acelerados fez sobre a etapa do Chile da Fórmula E?

Ninguém está defendendo que se permita a transmissão de corridas por meio dessas ferramentas. Afinal, os contratos com as redes de TV são valiosos para a Liberty, e garantem faturamento alto. Não podemos nos esquecer que F1 é um negócio.


Mas e o resto? E o que não é ação na pista e no pit lane? E os bastidores do circo da F1?

Categoria consolidada

É claro que a Fórmula 1 é consolidada, e a Fórmula E precisa se consolidar. Existe um abismo entre eles. Mas é verdade também, e pesquisas apontam isso, que os jovens estão perdendo o interesse pela principal categoria do automobilismo (que na maioria dos países da Europa já é transmitida apenas em TVs fechadas). E a F1 vai precisar desses jovens se quiser sobreviver no futuro. Sem público não há espetáculo.

Festivais como o de Marselha vão ajudar pouquíssimo a F1. As redes sociais vão ajudar muito. Afinal, não se pode parar no tempo e pensar só no faturamento agora. É preciso pensar no futuro, em um novo público, e investir nas ferramentas que tenham real poder de atração a essas pessoas.


Em tempo: a Fórmula E também tem direitos de transmissão. Eles são da Fox Sports.

 

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