Os SUVs estão na crista da onda, mas e os hatches compactos, que sempre dominaram as vendas no Brasil? O Jornal do Carro alinhou Fiat Pulse Impetus e Honda City Hatchback Touring em comparativo com vídeo (veja abaixo) para mostrar que, a despeito de pertencerem a categorias diferentes, eles têm semelhanças. Qual vale mais a compra?
Antes de qualquer coisa, bateu uma nostalgia, com uma dose de dor no coração: lembra do período não muito distante, em que com R$ 100 mil se conseguia ficar na dúvida entre modelos como Toyota Corolla e Honda Civic? Ou ainda podia arriscar mais alto e pegar um Ford Fusion e seu generoso espaço interno? Ou ainda chutar o balde e partir para a realização de ter um carro com emblema alemão, como o Audi A3?
Pois isso é coisa do passado: a realidade atual é dura. O valor do combustível dá calafrios e R$ 100 mil é o valor pago por versões intermediárias de modelos compactos. Se o consumidor quiser conteúdo moderno, recursos de conectividade e segurança avançada e, principalmente, carros que estão na moda, vai ter de desembolsar mais de R$ 120 mil, ou até beirar os R$ 130 mil.
É justamente aí que se encaixam City e Pulse em suas versões topo de linha. Ambos têm receita moderna, que segue a onda do “recheio gourmet”, mas com tamanho pequeno. Porém, se a fome – ou a necessidade – for grande, eles podem não saciar. Confira os detalhes.
Pulse bate no ritmo do SUV
Já faz praticamente seis meses que o Pulse chegou ao mercado, lançado em outubro de 2021. Mas segue na boca do público, com o marketing incansável da Fiat, que usa e abusa de campanhas online e se vale da onipresença do reality show Big Brother Brasil para mostrar novidades sobre seu modelo. A mais recente delas é o Pulse Abarth, versão esportiva que estreia no 2º semestre deste ano com motor 1.3 turbo flex. Ele será um dos prêmios do vencedor do BBB 2022.
Crossover típico, o Pulse é todo derivado do Argo, seja no visual, seja pelas linhas praticamente idênticas da lateral ou, para cravar de fato, pela mecânica e dimensões. Mas o Pulse se vale da frente mais alta e bicuda, da pintura bicolor e da bela traseira, com corte geral em 90º, mas com lanternas sinuosas que parecem emprestadas de modelos da Alfa Romeo. Tudo isso chama atenção na rua. E lhe dá estilo de SUV.
City inventa a sua própria moda
Olhando para o inédito Honda City Hatchback, a gente percebe que fabricantes japonesas vivem em seu próprio tempo, de fato, indiferentes ao ritmo do mercado. O dois-volumes chegou em fevereiro e sequer abasteceu todas as lojas do País. Mas o que mais “choca”, no bom sentido, é termos um hatch compacto chegando em meio à multiplicação dos SUVs.
SUVs e picapes tomam vendas e garagens de sedãs, de peruas e monovolumes (praticamente extintos), bem como dos hatches intermediários e médios. Mas a Honda vai no sentido oposto.
Um sucessor diferente do Fit
Cinco anos atrás, o HR-V acabava com o reinado do Ford EcoSport (quem lembra dele?) entre os utilitários compactos. Agora, o projeto é colocado em pausa e só volta daqui a uns meses, mas com outro tamanho e, certamente, com opção eletrificada – e mais caro.
Antes disso, e durante praticamente duas décadas, a Honda fingiu que o Fit era um monovolume, uma minivan. No mundo todo, o Fit (com seus diferentes nomes) enfrentou Ford Fiesta e Volkswagen Polo. Mas, no Brasil, o alvo inicial eram Chevrolet Meriva, Fiat Idea, Nissan Livina e similares. Mas fez sucesso pela boa mecânica, durabilidade e dirigibilidade, assim como pelo incrível aproveitamento de espaço.
Só que ficou difícil para a Honda bancar a chegada da nova geração do Fit, cada vez mais esportiva, eletrificada e cara para a realidade atual do mercado brasileiro. E eis que veio a deixa para trazer um novo City não só como sedã, mas também como hatch. O modelo toma esse espaço do Fit, mas tenta conquistar clientes de HR-V e até do Civic.
Novo City vai pegar?
Ainda é cedo para cravar que o novo City terá o mesmo sucesso dos modelos que sucede. O que podemos perceber é que o City Hatchback tem visual interessante e moderno no segmento. A dianteira tem o ponto mais questionável, ao estilo ame ou odeie. A frente alongada e “testuda” lembra o Civic e até mesmo o Accord, mas em tamanho P.
No City sedã isso passa mais batido do que no hatchback, justamente pelo terceiro volume equilibrando tudo. A Honda deixou saídas de ar e a base do para-choque mais esportivadas no dois-volumes, entretanto esse equilíbrio de linhas não é tão harmonioso.
As rodas saltam aos olhos pelo lado negativo: com aro de 16 polegadas e pneus 185/55, são pequenas, dando a impressão de que poderia haver algo a mais ali. Certamente era o caso de oferecer conjunto de 17 polegadas, ao menos nesta versão Touring.
Na traseira, temos um dos conjuntos ópticos mais belos do segmento, com ótima proporção de volumes e linhas sinuosas da forma certa. O City hatch é mais arrojado indo, do que vindo. Consegue ser, ao mesmo tempo, esportivo e elegante.
Aliás, neste comparativo, você perceberá esta constante: a Honda se destaca pelo primor na finalização da cabine e do veículo no geral, ainda que derrapando por conta de alguns conservadorismos. E Fiat eleva o nível de tecnologia embarcada e fica atrás por detalhes.
SUV é mais espaçoso que hatch?
Tivesse sido lançado sete anos atrás, o Fiat Pulse seria um “hatch altinho”, com estilo “aventureiro”. Mas chegou no auge da onda dos utilitários esportivos, então, é assim que Fiat o trata: como o seu primeiro SUV. Acontece que o Pulse é pequeno e tem menos de 4,10 metros de para-choques a para-choques. O entre-eixos tem a conhecida medida de 2,53 m (“Oi, Argo!”), mas o teto é mais elevado (altura total de 1,57 m) e amplia a sensação de espaço para os ocupantes. Ainda temos razoáveis 370 litros no porta-malas, mas na aferição da Fiat e não no padrão VDA do mercado.
Além disso, a Fiat eleva a posição de dirigir, seja com o conhecido truque do banco do motorista elevado, seja com a distância física do assoalho para o solo, com pouco mais de 19 centímetros livres, além das rodas maiores, com 17 polegadas.
Só que, se você precisa de espaço para cinco ocupantes, só vai conseguir colocar quatro adultos com conforto a bordo. E ninguém pode abrir muito os cotovelos, folgadamente, pois os painéis de porta muito próximos dos bancos não vão permitir.
City é maior por dentro e por fora
Em termos de porte, com 4,34 m, o City é mais equilibrado. Perde quase uma régua escolar no tamanho para o sedã, mas isso não importa (tanto) aqui. O grande lance neste comparativo é que ele é quase outra régua maior que o Pulse, com 24 cm a mais.
Com isso, tem mais espaço a bordo, com entre-eixos de 2,60 m, número mágico que correspondia à cabine de modelos médios há sete ou 10 anos. Folga para joelhos, cotovelos e ombros de até cinco adultos está garantida a bordo, ainda que quem se sente atrás fique com a cabeça um pouco mais vulnerável a raspadas.
Também é mais fácil e seguro abrigar bebês e crianças, graças ao cinto adicional que vem do teto, bem como aos ganchos Isofix com acesso fácil. Enquanto isso, no Pulse, a tarefa de achá-los entre os fixadores dos cintos de segurança e o estofado do banco é inglória. Pena que, no porta-malas, só caibam 268 litros de bagagem, com acesso um tanto pequeno.
Recheio, conectividade ou segurança?
Arrojo contra conservadorismo também marcam a comparação das listas de equipamentos de City e Pulse. Mas, no geral, há um equilíbrio entre os modelos que agradará motoristas e passageiros nos dois casos. De fato, o Pulse é mais conectado. Aliás, é o primeiro modelo “de entrada” da Fiat a ter possibilidade de contar com conexão 4G a bordo, que serve para ligar o carro a uma central de monitoramento, resgate e serviços de concierge, bem como ao aplicativo no smartphone para funções remotas.
Isso é opcional, e traz junto um espelho interno com anti-ofuscamento automático, além de atualização de trânsito em tempo real para o GPS da TomTom – que funciona melhor que Google Maps e similares, ao menos na Grande São Paulo. Nada disso existe no City.
Da Toro, o Pulse Impetus herdou a tela de instrumentos totalmente digital, que fica lado a lado com a tela central de 10 polegadas, ambas com funcionamento muito rápida e ótima leitura. Aliás, a tela multimídia se pareia com celulares mais avançados, permitindo o uso dos ambientes Android Auto e Apple Carplay sem fio – e sem engasgos. Também é possível carregar os smartphones por bandeja de indução.
Airbags ou controle de tração?
Em termos de segurança, são 4 airbags no Fiat Pulse, além de controles de estabilidade e tração – este último uma evolução do antigo sistema locker. A função simula, com os freios, o que seria um bloqueio de diferencial, para tentar fugir de situações com pouca tração e evitar, assim, um atolamento. O SUV da italiana também tem sistemas semiautônomos.
Funciona bem a leitura de faixas, sempre acima dos 60 km/h, com capacidade de mover o volante de forma automática, aplicando leves correções caso o motorista vá invadir outra faixa. Também são eficientes o aviso de freio para quando há risco de colisão, assim como a frenagem automática de emergência, caso o motorista não reaja. E faróis também automáticos, que alternam sozinhos entre as luzes alta e baixa.
Mas aí entra a questão da Fiat com o acabamento. A cabine é escura demais, o que incomoda em longas viagens. Aqui e ali há desnível entre painéis. Como dito antes, o Isofix é bloqueado pela própria estrutura de bancos. E, na tentativa de encontrá-lo, alguém pode acabar esbarrando num dos chicotes eletrônicos do carro. E tente dar a seta sem acionar a luz alta sem querer… Se isso incomoda em modelos mais baratos, que dirá em um de praticamente R$ 130 mil.
City capricha mais na cabine
O City é o oposto do Pulse. A cabine é arejada e bem acabada, ainda que o hatch não ofereça o couro disponível no sedã (que, vamos combinar, suja mais fácil). Só há plástico duro a bordo, mas sempre bem texturizado e alinhado com precisão. O sistema de ar-condicionado automático e digital tem uma só zona (como no Fiat), mas com saída para o banco traseiro na versão hatch, algo que é quase um luxo na categoria.
Além disso, todas as teclas e comandos são bem localizados e funcionam a contento. Ou quase. E aí entra o conservadorismo. O City tem múltiplas portas USB, por exemplo. Mas, enquanto no Pulse, há dois padrões (o normal e USB-C), no Honda temos apenas portas tipo A. Porém, só uma delas se conecta ao sistema multimídia para habilitar Android Auto e Apple Carplay. Além disso, o sistema funciona sem fio, mas só a partir da segunda vez em que se conecta (a primeira exige um cabo) e ainda engasga.
O City também não tem bandeja de recarga sem fio para celulares. Aliás, sem bandeja alguma: mal há lugar para celulares de tela maior. Falando em telas, o painel de instrumentos tem ótima leitura, com o lado esquerdo dedicado à tela de ótima leitura, que alterna computador de bordo e todas as configurações do carro. O velocímetro fica à direita.
Recursos semiautônomos
O City é o primeiro carro nacional da Honda com recursos semiautônomos do pacote Sensing. Mas isso não quer dizer que o sistema seja perfeito. Não há, por exemplo, sensor de ponto cego. Em vez disso, a Honda colocou a câmera lateral que só funciona quando se dá a seta. E só no lado direito, como se não houvesse perigos do lado do condutor.
Também é esquisito o funcionamento do controle de cruzeiro adapativo. Nem parece um ACC, mas sim um piloto automático básico. Você pode definir a distância do carro da frente e isso funciona bem. Também pode definir a velocidade na qual quer se locomover e o carro vai alternando isso, dentro do limite do trânsito. Só que, se a velocidade for reduzida abaixo dos 30 km/h, tudo se desarma.
Tudo bem que ainda não estamos na era dos carros autônomos, e o motorista deve ser responsável sempre. Ademais, o City tem de série a frenagem automática de emergência, que pode evitar uma colisão. Além disso, vem de série com seis airbags (incluindo os de cortina, além dos frontais e laterais), uma vantagem contra o Pulse.
Por fim, há o sistema de torque em curvas, que corrige a rotação das rodas externas em relação às internas usando os freios. Ele reduz a chance das comuns perdas de dianteira – ou de traseira, no caso do sedã, que também traz a mesma função.
Como andam os dois?
Para ser direto, Pulse e City são parelhos quando em movimento. Mas isso só reforça suas diferenças mecânicas. E é preciso ressaltá-las. No Pulse Impetus Turbo 200, topo de gama, o motor 1.3 flex aspirado – que roda lisinho, aliás – dá lugar ao 1.0 turboflex de três cilindros e injeção direta, que gera até 130 cv e 20,5 mkgf de torque.
A questão é que ele se comunica mal com o câmbio CVT, que simula sete marchas virtuais. Mal mesmo, a ponto de lembrar, em baixas rotações, o ruim câmbio automatizado Dualogic, por conta da aspereza, da vibração e das quebras de ritmo. Mas há solução: o volante, que também veio da Toro, tem a tecla vermelha Sport. Nunca ande sem apertá-la! O sistema muda mapeamento de acelerador e regime de rotações, casando melhor o motor e o câmbio. Assim, esse modo deveria ser o padrão no Pulse Turbo.
Outro ponto incômodo a bordo está na suspensão, dura e barulhenta. Seu curso acaba rapidamente, deixando a carroceria e seus ocupantes expostos ao chacoalhão de buracos e mesmo de ondulações menores do asfalto. E isso é o que o mais existe do Brasil. Some-se o acabamento abaixo do esperado e temos um festival de ruídos a bordo.
City anda menos
Por outro lado, no City Touring, temos um motor que, no papel, está uns oito ou dez anos atrasado. Só agora a Honda adotou o 1.5 flex de quatro cilindros com injeção direta de combustível. Mesmo em 2022, nada de turbo. Assim, a potência chega aos 126 cv, próxima do Pulse. Mas o torque de 15,8 mkgf dá vantagem ao Fiat, que é mais forte e elástico.
Só que, apesar de talvez antiquado, o sistema roda bem que só. Tudo está em harmonia, motor e câmbio – também um CVT com sete marchas simuladas. O mesmo vale para a carroceria e a suspensão, que são mais firmes. Aliás, há um cuidado extra da Honda neste aspecto, com amortecedores com stop hidráulico, que evitam pancadas secas.
Além disso, a ficha técnica indica algo bem curioso: o City hatch é quase 100 kg mais pesado que o sedã. O motivo está no reforço extra do balanço dianteiro e da estrutura frontal. Com isso, o hatch é mais assentado e seguro em movimento. E isso é perceptivo nas tomadas de curvas e manobras mais ligeiras. É prazeroso conduzir o City depois que se pega o jeito.
No jogo do consumo, ambos ficam em empate técnico, com irrisória vantagem para o Honda. Segundo Inmetro, o City faz 9,2 km/l (E) e 13,3 km/l (G) na cidade, e médias de 10,5 km/l (E) e 14,8 km/l (G) em rodovias. Por sua vez, o Pulse entrega médias de 8,5 km/l (E) e 12 km/l (G) na cidade, e 10,2 km/l (E) e 14,6 km/l (G) na estrada. O Pulse tem mais autonomia porque tem tanque de combustível maior. São 47 litros contra 39 litros do City.
Vai pagar quanto?
Com tudo isso, hora de pensar em fazer o Pix. Com mais primor, ainda que tecnologia mais recatada (quando não deveria ser), o Honda City Hatchback Touring ainda permite ter o capricho de cores da moda, como o cinza Grafeno testado. Ele traz um tom ao estilo fosco (matte) para a conservadora paleta de cores da marca japonesa. Também não há opcionais (mas poderia haver), o que significa que o valor de R$ 124.700 (para o Estado de São Paulo) é o final, sem mais surpresas.
Já no caso do Fiat Pulse Impetus, a base de R$ 125.484 pode ser incrementada com o pacote Connect Me, que adiciona conectividade extra e segurança semiautônoma por R$ 2.740. Se quiser uma cor que não preto com teto cinza (única combinação grátis), terá de pagar R$ 1.014 extras (nas sólidas), ou R$ 1.522 na especial Cinza, ou ainda R$ 2.030 por pinturas metálicas (como o azul Amalfo com teto cinza Stratos testado). Há, por fim, opção de pintura perolizada por R$ 2.385.
Com isso, um Pulse completo – e na cor desejada – pode chegar a R$ 130.250, como na unidade avaliada. Ou mais de R$ 130.600 para outras cores. Por cobrar mais e ser menos refinado, o Pulse não seria a nossa escolha, ainda que seja a alternativa para quem não abre mão de participar da onda SUV. O City é a escolha que melhor justifica o investimento, seja pelo refino maior a bordo, seja pela surpresa excelente ao volante. Ainda que o Honda precise ousar mais em tecnologia para acompanhar outros concorrentes diretos, como Chevrolet Onix e Hyundai HB20.