Um ano após sair de linha no Brasil pela primeira vez desde 1992, o Honda Civic está de volta ao País. Entretanto, desta vez, o sedã médio vem importado da Tailândia e traz uma grande novidade: é híbrido como o arquirrival Toyota Corolla. O modelo começa a ser faturado nesta sexta-feira (20) por valor que pode assustar clientes antigos: R$ 244.900. Este é o preço sugerido para o Civic 2023, que terá entregas a partir do fim de janeiro.
Para começar, esqueça a décima geração do sedã, que foi feita em Sumaré/SP até o final de 2021. Fora de linha em 2022, ela vendeu apenas as 1.996 unidades que estavam nos estoques dos concessionários. Esta agora é a 11ª geração, que estreou nos Estados Unidos em 2021 e que, para o Brasil, vem importada da fábrica de Ayutthaya, em solo tailandês.
Maior e mais espaçoso para passageiros, o Honda Civic 2023 terá apenas a versão topo de linha Touring disponível por aqui. O conjunto híbrido estreou com o novo Accord em 2021. Ele une o motor 2.0 a gasolina de ciclo Atkinson a um elétrico de tração, um motor-gerador e uma bateria de baixa capacidade (1 kWh), mas com alta potência (400V).
Civic Híbrido tem rivais?
Com este preço, o Civic híbrido tem três anos de garantia (sem limite de quilometragem), enquanto o conjunto elétrico (baterias e motores) tem garantia de oito anos ou 160.000 km. Naturalmente, o rival direto do modelo é o Toyota Corolla Hybrid Flex, que tem produção em Indaiatuba (SP) e preços bem menores – custa R$ 183.890 na versão Altis e R$ 193.690 na Altis Premium. A potência combinada no Corolla é de 122 cavalos, com 16,6 mkgf de torque.
Há quem aponte o VW Jetta GLI como concorrente direto do Honda. O sedã esportivo vem importado do México por R$ 228.990, com motor 2.0 turbo de 231 cv e 35,7 mkgf a 1.500 rpm. Mas a Honda vai trabalhar como se o Civic Híbrido atuasse em patamar acima dos seus tradicionais adversários. Além disso, o Civic atuará acima do HR-V, cuja versão Touring custa R$ 190.900.
E para o topo da atual gama, a Honda já confirmou a nova geração do Accord (a geração atual foi vendida por R$ 309.900 em 2022), no segundo semestre. E, no final de 2023, vai lançar pela primeira vez no Brasil o Civic Type R, versão de alta performance com 320 cv de potência. Assim, não haverá desta vez um Civic Si. Mas é certa a vinda neste ano do ZR-V, o SUV do Civic. Ele virá do México para concorrer com Jeep Compass e Toyota Corolla Cross.
Civic cresce com alemães
É impossível olhar para a nova geração do Honda Civic sem conter aquele sorriso de canto de boca, que pode expressar o contentamento com a nítida evolução do sedã, e a surpresa pelo estilo adotado. No visual, o Civic Híbrido é mais “maduro”, nas palavras da própria Honda. Ou seja, mais tradicional. Cada volume, sobretudo o terceiro (do porta-malas), é bem definido, com formas que não brincam mais de disfarçar um sedã de hatch ou de cupê.
Dessa forma, temos uma carroceria que cresceu na comparação com a geração anterior. São 42 milímetros a mais no comprimento, 30 mm adicionais na distância entre-eixos e 3 mm na largura. Além disso, ficou mais baixo 20 mm e, segundo engenheiros da Honda, a coluna A foi recuada (50 mm), e o capô foi rebaixado em 25 mm. O resultado é uma linha de cintura mais horizontal e clássica, que não era uma característica do modelo.
Com as mudanças, o Civic 2023 parece mais largo e comprido que seus 4,68 m de comprimento e 2,73 m de entre-eixos. Já na comparação com o Corolla, é 3 cm maior, bem como 5 cm mais longo. Além disso, o entre-eixos também supera os 2,70 m do rival feito em Sorocaba (SP).
Estilo fica mais conservador
Se o capô baixo valoriza a visibilidade e protege os pedestres, também conversa bem com o novo estilo das caixas de rodas, com o retrovisor reposicionado nas portas e com a frente mais bicuda. Aliás, some o escudo cromado em forma de asa da geração anterior, assim como as lanternas traseiras em formato de bumerangues.
Sobre a traseira típica de sedãs atuais, com lanternas de LEDs em forma de adaga quando acesas, as luzes formam a letra “C”, de Civic na horizontal. Elas ladeiam a tampa de porta-malas, que é menos recortada. No geral, parece que a Honda tentou criar uma versão reduzida do Accord. Mas, de fato, a sensação geral é de que a Honda foi beber na fonte de marcas alemãs como Audi e BMW, bem como na linha da sul-coreana Hyundai. O novo visual é equilibrado.
Cabine mais tecnológica da Honda
O simples ato de destravar o Civic Híbrido demonstra o que a Honda espera de seus novos modelos. Claro que você pode apertar o botão na chave, mas a abertura das portas também pode ser feita usando o aplicativo de celular Honda MyConnect. Ou passando os dedos pelos três frisos no topo da maçaneta, que agora é uma peça horizontal única. É a mesma solução que Audi, BMW, Mercedes-Benz e até a Volkswagen já utilizam há anos.
Ou seja, tal como no novo HR-V. Assim, nada de botão de plástico ou de miolo de fechadura aparentes neste Civic (finalmente!). O interior também tem linhas mais horizontais e limpas, mas que vão além daquilo visto no City e no HR-V. Os materiais são notavelmente mais sofisticados – não há uma superfície de plástico com textura dura ou áspera. Além disso, os desenhos de painéis são mais elaborados. É outro patamar em relação aos compactos.
Mesmo o que não se enxerga parece mais caprichado e realça conforto e segurança. Chapas da carroceria usam aços de alta resistência, com aumento da rigidez torcional de 8% para Civic anterior. Outro componente importante é o subchassi de alumínio fundido que abriga a suspensão e a caixa de direção do sedã. Segundo a Honda, ele oferece menor vibração e respostas mais precisas e imediatas aos movimentos no volante.
Capricho e foco no conforto
Por falar na suspensão, assim como no City hatch e no HR-V Touring, as buchas traseiras do novo Civic são mais resistentes, com 11% a mais de borracha na manufatura. Isso melhora a absorção das vibrações sobre o asfalto mais rugoso. Da mesma forma, as colunas são preenchidas com poliuretano, enquanto a base de assoalho e do porta-malas têm aquele isolamento termoacústico também utilizado na parede corta fogo do cofre do motor.
Resultado é um ambiente hiper silencioso a bordo. Mas isso é levado a um nível que beira o exagerado neste Civic, por causa da adoção de outras duas tecnologias: fones de ouvido premium e um recurso comum aos carros elétricos de luxo. Há microfones instalados na dianteira e na traseira da cabine para captação de ruídos.
Assim, a central de som – que é da marca Bose – emite frequências opostas pelos alto-falantes para anular os ruídos externos. O sistema ANC, sigla em inglês de “controle de ruído ativo”, é o mesmo dos fones de ouvido mais modernos. Há ainda um segundo uso dos alto-falantes para o modo Sport, que emula ruídos de carros a combustão com maior potência. Esse é um recurso que pareceu exagerado.
Requinte a bordo
Na parte prática e que denota o luxo, ambos os bancos dianteiros oferecem ajustes elétrico de posição, mas sem memória. Enquanto isso, o banco traseiro usa o sistema de placas internas para ajudar a apoiar melhor o corpo dos passageiros em longas viagens.
Já o quadro de instrumentos é digital, com tela TFT de 10 polegadas que tem imagens de alta resolução. Os mostradores são customizáveis. O que parece o conta-giros fica do lado esquerdo, mas, na verdade, é um indicador de potência entregue pelo sistema híbrido. O mostrador também exibe dados da multimídia. Já no lado direito fica o velocímetro e o computador de bordo. E, ao centro, o condutor encontra informações extras.
A mais interessante delas é a exibição do novo ACC. O sistema não apenas mostra a velocidade e a distância em relação ao veículo à frente selecionados, mas também indica o que as câmeras e sensores do Civic estão enxergando. Ou seja, mostra se é um carro, um caminhão, uma moto ou um ônibus, por exemplo. E qual a posição do veículo para o Civic, bem como quando o veículo está freando ou se movimentando na faixa.
São recursos vistos em carros de luxo. Some-se a isso o alto nível de segurança. São oito airbags na cabine, com adoção de bolsas laterais também na traseira. Para completar, traz um multimidia flutuante (sem o tubo estilo “TV de cozinha” do HR-V) e de processamento rápido. O sistema rastreia e monitora o carro em tempo real, tem conexão com celulares via quatro USB e via Bluetooth, quando estiver na bandeja de carregamento sem fio.
Como anda o novo Civic
Após apresentação feita de forma virtual, o Jornal do Carro finalmente experimentou o Honda Civic híbrido em um trajeto de mais de 200 quilômetros, em trecho de ida e volta até Itu, no interior de São Paulo. Tanto na ficha técnica (veja abaixo), quanto na traseira, o Civic 2023 conta com a estranha sigla “e:HEV”, que indica o sistema híbrido da marca. Mas a montadora, no fim, optou por chamar o carro simplesmente de “híbrido”.
O significado de e:HEV é que o motor a combustão não é ligado diretamente às rodas dianteiras, mas sim ao conjunto híbrido. Da mesma forma, o E-CVT não é um câmbio com polias que variam de acordo com o esforço de aceleração. Temos mais um termo de marketing aqui, já que o Civic usa uma central de controle de torque, como em modelos elétricos. Não há marchas, apenas fluxo de entrega para frente (Drive) ou para trás (Ré).
Assim, o motor a combustão é ligado a este E-CVT, que também tem conexão com o motor elétrico, o motor-gerador e a bateria de íons de lítio com 1 kWh e 72 células. É função deste E-CVT determinar quem vai fazer as rodas se moverem, sempre com base na maior eficiência possível.
Assim, na prática, o motor a combustão é um 2.0 a gasolina de quatro cilindros e ciclo Atkinson. Ele gera 143 cv de potência a 6.000 rpm e um torque de 19,1 mkgf a 4.500 rpm. A diferença para o motor usado no Accord está no tipo de injeção de combustível, que, no caso do Civic, é direta, com variação da intensidade de spray jogado no interior dos pistões. O borrifador lê o estágio do pedal do acelerador e o modo de condução (Eco, Normal ou Sport).
Motor elétrico traciona as rodas
Já o motor elétrico do sistema e:HEV tem 184 cv e 32,1 mkgf. Ou seja, é mais forte que o motor a gasolina. Porém, assim como não divulga dados de aceleração e velocidade máxima, a Honda não detalha a potência combinada do sistema híbrido. No Accord, especialistas com acesso a medições próprias, testes em pista e dinamômetro apontaram algo perto dos 215 cv máximos, com torque do motor elétrico.
O que a Honda diz é que o Civic Híbrido acelera de zero a 100 km/h em menos tempo que a geração anterior na versão Touring com motor 1.5 Turbo (8,6 segundos). Além disso, o consumo é superior, com média de 18,3 km/l na cidade e de 15,9 km/l em rodovia, segundo o Inmetro. A Honda diz que o conjunto híbrido permite ao motor 2.0 a gasolina alcançar 41% de eficiência térmica. Enquanto isso, os motores turbo atuais têm eficiência na casa de 30%.
Híbrido que funciona como elétrico
Dessa forma, temos um sedã que não faz barulho nem vibra ao dar a partida ou nas primeiras acelerações. Isso porque o sistema elétrico trabalha nestes momentos. Já a força silenciosa do motor elétrico e das baterias entra em ação no “kick-down”, na hora de fazer ultrapassagens ou em velocidade de cruzeiro (entre 100 km/h e 120 km/h). Assim, cabe ao motor a gasolina assumir a rédea em situações de serra ou acima de 120 km/h. Isso explica a média de consumo ser maior na estrada que na cidade.
Como não há trocas de marcha, também não há solavancos. Mas o corpo dos ocupantes se movimenta contra o banco por conta do baque de entrega instantânea de torque. E há uma sensação esquisita, por conta do ruído virtual de aceleração. É uma questão dos carros de transição, que ficam meio perdidos na tarefa de agradar a motoristas mais velhos, mas atrair novos consumidores.
Em resumo, é positiva e prazerosa a dirigibilidade deste Civic. Força e potência são complementadas pelo ótimo equilíbrio do sistema de suspensão, que permite ao carro se manter aprumado em curvas e super estável em retas. Também é possível entender que o consumo é apenas uma estimativa. Ele pode ser melhor: ao longo de 200 km, grande parte em trajeto rodoviário, obtivemos média de 20 km/l sem abrir mão de testar as acelerações e retomadas.
Fim da briga com o Toyota Corolla?
É histórico e já faz parte da cultura automotiva: o mercado espera que Honda Civic e Toyota Corolla rivalizem a cada geração, com espaço, motores e funções. Da mesma forma, as vendas de cada modelo servem para determinar qual deles teve maior sucesso. No Brasil, o último momento de auge comercial do Civic frente ao Corolla foi na oitava geração – quando o New Civic 2008 enfrentava a 9ª geração do Toyota, apelidada de “Brad Pitt”.
Desde então, o Corolla abriu frente a ponto de entregar mais que o dobro de unidades de qualquer rival. Por isso, tornou-se a referência do segmento de sedãs médios. Em 2021, por exemplo, foram 41.891 vendas do Corolla e 18.949 do Civic. Mas acabou: executivos da Honda apontam que o objetivo desta 11ª geração é estabelecer, sim, um nível de excelência automotiva, mas com baixo volume de entregas (no Brasil) e sem pretensão de brigar pela liderança.
“Não estamos preocupados com duelo de emplacamentos com o Corolla”, declarou Ariel Mógor, gerente de planejamento de produto da Honda Automóveis, em conversa com o Jornal do Carro. “Queremos estar no ‘top of mind’ do cliente quando se fala de tecnologia e de mecânica híbrida, mas não em termos de volume de vendas. O plano com o Civic Híbrido – e com toda a nossa gama – é ter uma operação saudável e sustentável”.
Civic agora é importado
Com o Civic Híbrido importado da Ásia repleto de tecnologia, a Honda admite até que haverá limitações de volume de entrega do modelo neste momento. Afinal, a crise dos chips persiste no mundo. Assim, receberão o modelo apenas as cidades de São Paulo, Campinas e Ribeirão Preto (no Estado de São Paulo), além de Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Goiânia (GO), Brasília (DF), Curitiba (PR), Recife (PE), Salvador (BA), Fortaleza (CE) e Manaus (AM).
A entrega será ampliada para o restante das praças de forma gradual. Apesar de chocar no preço, a estratégia de mercado com o Civic Híbrido acompanha o atual posicionamento da marca Honda. Afinal, a japonesa passou a priorizar segmentos premium no Brasil. Além disso, encarou uma gangorra produtiva com a situação da fábrica de Itirapina (SP), que foi construída para entregar grande volume de carros, mas ficou fechada por cinco anos.
Em 2022, a nova geração do Honda City (22.132 emplacamentos) e o inédito City Hatchback (16.115 unidades) venderem bem. Depois, veio o novo HR-V, que somou 15.404 unidades de agosto a dezembro. Ou seja, a era da “maturidade” do Honda Civic no Brasil será marcada pelo protagonismo tecnológico e por como anda bem e gasta pouco combustível. Mas também será poderá ser marcada pelo seu papel secundário, quase raro nas ruas.