Tenho um amigo que é alucinado pelos anos 80. Fala como se tivesse vivido naquela época, como se fizesse parte de tudo aquilo. Eu rio muito, uma vez que ele nasceu em 1988. Tinha dois anos, tadinho, quando os 80 acabaram.
(No Instagram: @blogprimeiraclasse)
Mas aí penso na minha relação com os 80. Eu nasci em 1982, então, embora já existisse durante a maior parte da década, não fui uma adolescente com aquelas roupas engraçadas e cabelos sem noção. Era criança.
Sempre me pergunto por que pessoas que não vivenciaram aqueles anos na plenitude de suas recordações, como eu, se apegam tanto a eles?
Aí penso na inocência. Minha tia e primos de quase 50 anos, que viveram sua adolescência e juventude ali, tinham uma deliciosa inocência que não cabe mais no mundo de hoje. Aquela inocência quase ignorante de um tempo em que a informação não era lá muito acessível. As pessoas viviam assim e eram felizes assim.
O que me faz pensar em 1985. Por quê? Em 1985, eu tinha três anos de idade. Do que me lembro? Dois avós morreram naquele ano. Mamãe de papai e papai de mamãe. E, uma alegria imensa: no fim do ano, nasceu minha irmã mais nova.
Mas não é por causa de minha parca recordação que deixarei de considerar 1985 um dos anos mais emblemáticos da segunda metade do século passado. Eu comecei a pensar sobre isso na quarta-feira, dia 14 de outubro.
Estava eu no Espaço das Américas, no show do A-ha, extasiada enquanto escutava “Take on me”. Um hit mundial e atemporal que marcou 1985. A música, como outros belos marcos daquele ano, completa agora seu 30º aniversário. E comecei a assinalar todas as coisas legais – e algumas nem tanto – que rolaram em 85.
Também está soprando velhinhas pela 30ª vez o Rock in Rio. A primeira e lendária edição do festival foi em janeiro de 1985. Falou-se muito nisso no mês passado, na edição 2015 do festival.
No primeiro Rock in Rio, o Barão Vermelho arrasou. Pelo que ouvi falar e pelos vídeos que vi no YouTube – santo YouTube. E aí o Cazuza caiu fora do grupo logo depois. E, naquele mesmo ano, lançou seu primeiro hit solo, “Exagerado”. Que talvez seja o maior hino daquela geração oitentista no Brasil. Então, em 2015, a música ganhou uma nova versão, uma releitura de 30 anos.
Só a riqueza do cenário musical do Brasil já consagraria o ano de 1985. Mas teve mais, muito mais. No estádio de Wembley, em Londres, as maiores bandas do mundo se reuniam por uma causa: o combate à fome na Etiópia.
Era o festival Live Aid, que teve também edições na Filadélfia, em Sydney, em Moscou. Mas entrou mesmo para a história a de Londres. Porque teve a sententista Led Zeppelin emocionando com “Stairway to Heaven”, um hino. E Phil Collins. E The Who. E, claro, um dos maiores símbolos da Inglaterra, Paul McCartney, na impossibilidade de se reunir os Beatles – já que a banda havia se separado em 1970 e, principalmente, porque John Lennon morrera em 1980.
Mas quem arrasou mesmo naquele concerto para quase 100 mil pessoas foi o Queen. Freddie Mercury nunca esteve tão incrível, carismático e performático, segundo relatos de reportagens que encontrei no arquivo do jornal e no Google – God save Google.
E depois daquele auge, para Freddie, que também tinha arrasado seis meses antes no Rock in Rio, e para Cazuza, veio o início do fim. Deles e da inocência e dos sonhos de uma geração.
A Aids se disseminou pelo mundo, desafiando a duramente conquistada liberdade sexual, transformando o sexo mais uma vez em tabu. Despertando medo.
A temida doença atingiu Freddie e Cazuza logo em seguida. E os levou, assim como muitos naquela época, pouco depois.
O mundo ficaria então mais sério, menos sonhador. Talvez, de luto.
Luto também atingiu o Brasil em 21 de abril, dia do herói da Inconfidência Mineira, Tiradentes. Dia de 1985 em que morreu o mineiro Tancredo Neves.
Foi um soco na cara da retomada da democracia do Brasil. Perdemos nosso primeiro presidente não-militar – ainda que eleito de maneira indireta – depois dos horríveis anos da ditadura.
A comoção só foi maior nove anos depois, quando morreu Ayrton Senna. Ah, Senna! Foi também em 1985 que o posteriormente tricampeão nasceu para o mundo da Fórmula 1, para começar a construir a imagem do maior ídolo da história do Brasil.
Ele estreou na F1 em 1984, mas em 1985, de Lotus, conquistou sua primeira vitória. Ganhou em Portugal, e também em outras corridas naquele ano. Mesmo ainda sem título, já superava ali Nelson Piquet no coração dos brasileiros. O que fez depois é história.
E como o assunto aqui é história, chegamos ao ponto crucial deste post. Em 1985, estreava nos cinemas “De Volta para o Futuro”, que consagraria o Delorean DMC-12 como máquina do tempo.
Com esse mote, construímos a edição desta quarta-feira do Jornal do Carro. Aproveitando também o fato de que no segundo filme da franquia, de 1989, o cupê viajou ao futuro pela primeira vez… e chegou a 21 de outubro de 2015, também conhecido como amanhã.
Então, contamos a história do Delorean e de seu criador, mas também mostramos como deverá ser o carro e a mobilidade nos próximos dez, vinte, trinta anos, em diversos aspectos: materiais, motor, formato, condução, rodovias…
Robert Zemeckis, diretor de “De Volta para o Futuro”, errou: carro não voa. E pelo jeito nem vai voar, se bem que já existem uns protótipos voadores por aí. E tubarões virtuais não tentam nos devorar. Pelo menos, não em plena rua.
Mas tem YouTube, que nos permite ver e rever “Take on Me” em performances de ontem e de hoje. Saber como foram as apresentações do Barão e do Queen no Rock in Rio. Visitar o festival Live Aid e as vitórias de Ayrton na Fórmula 1.
Temos nossas smarttvs, para rever o DeLorean a qualquer hora, em casa, sentados no sofá, na franquia “De Volta para o Futuro”. No Netflix, com nossa rapidíssima internet. E com uma qualidade bem superior àquela de 1985.
A gente pode reclamar que o mundo está chato. E eu acho que ele realmente está. Que as redes sociais isolam o indivíduo, colocam em segundo plano o convívio face a face. E isso é um fato.
E também que a tecnologia destruiu a inocência ignorante que parecia fazer as pessoas tão felizes. Mas o fato é que sem ela, nem eu, nem meu amigo nascido em 1988, e que sonha tanto com a vida nos anos 80, teríamos a mínima ideia de como foi tudo aquilo. Teríamos apenas ouvido falar.
Sem a tecnologia que conquistamos, eu não estaria no meu sofá finalizando este texto em meu pequeno smartphone, enquanto vejo em minha smarttv de alta resolução, pela milionésima vez, Freddie cantar “Don’t stop me now”, ainda no início dos anos 80. E já me preparando para assistir um pouquinho de Morten Harket e o A-ha na Praça da Apoteose, em 1989. Para depois procurar o show do Paul McCartney no Live Aid.
Sem o que temos hoje, não poderíamos nos apaixonar por 1985, não poderíamos considerar que aquele, como 1968, foi um ano que nunca acabou.
Trinta anos depois, acho que perdemos muito, mas ganhamos mais. YouTube, Google e Netflix são, sem dúvida, máquinas do tempo muito mais eficazes que o Delorean. Principalmente se o objetivo for viajar ao passado.
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