No Brasil, há mais de 123 mil oficinas independentes, segundo dados do Sindirepa, o sindicato das reparadoras. Desse universo fazem parte algumas poucas que, embora também não sejam concessionárias, focam marcas e modelos específicos. São oficinas especializadas em carros como os da Porsche, Land Rover e Mercedes-Benz. Além de Chrysler, Dodge, Fiat e Jeep. E também em antigos, como nacionais da Chevrolet e a Volkswagen Kombi.
Em comum, elas recebem veículos que já estão fora da garantia. Isso porque seus donos não abrem mão do serviço de especialistas, mas querem fugir dos preços das autorizadas. Afinal, nessas reparadoras, o conserto é em média 50% mais em conta que nas concessionárias. Além disso, o atendimento costuma ser personalizado. O cliente fala diretamente com quem irá botar a mão na massa.
Tradição em Mercedes-Benz há 50 anos
A Oficina do Italiano, na Casa Verde, bairro da zona Norte de São Paulo, recebe carros da Mercedes-Benz há 50 anos. E deve permanecer na ativa por muito tempo. Afinal, Michel, de 12 anos e neto do napolitano Antonio Petriccione, fundador da reparadora, já pode ser visto por lá.
Os preços são até 40% menores que os cobrados nas oficinas de concessionárias da marca alemã. É o que diz Fábio, filho do “seu” Antonio e que começou a trabalhar com o pai quando ainda tinha dez anos de idade – atualmente ele tem 43.
Nesse interim, para se especializar, Fábio participou de dezenas de cursos de reparação oferecidos pela marca. “Os treinamentos são ministrados para o pessoal das oficinas das concessionárias”, diz. “Sobretudo antes do lançamento de novos modelos”, diz.
Entre os diferenciais, na Oficina do Italiano o dono do carro fala diretamente com quem fará o serviço. De acordo com Fábio, isso cria uma relação de confiança com os clientes.
Segundo ele, o público da oficina é formado por donos de modelos que já saíram da garantia. “Nas oficinas de concessionárias, uma revisão básica não sai por menos de R$ 2,4 mil. Aqui, cobramos cerca de R$ 1.500.”
Além disso, o preço da hora da mão de obra é de R$ 250 para serviços mecânicos. Ao passo que para reparos na parte eletrônica o valor da hora é de R$ 280. Finalmente, o diagnóstico eletrônico sai por R$ 450.
Na Oficina do Italiano é comum haver vários tipos de Mercedes, de todos os anos, dividindo espaço. Segundo Fábio, as peças também são mais baratas. “Além de conseguir descontos na rede de concessionárias, trago itens dos Estados Unidos, do Uruguai e até do Líbano”, diz.
Italianos especializados em alemães
A ligação dos Petriccione com a Mercedes-Benz começou em 1971, quando “seu” Antonio abriu a primeira oficina, ainda batizada com seu sobrenome. Estava lançada a semente que deu origem à Auto Mecânica Marcelo, que se tornaria uma das mais famosas credenciadas da Mercedes-Benz do Brasil.
Aos 78 anos, Antonio continua dando expediente na oficina – ele chega todos os dias antes das 7h. Além de consertar, os Petriccione compram e vendem carros da marca. “Seu” Antonio conta que já foi dono de mais de 350 Mercedes.
“Já fiz bons negócios com carros da Mercedes”, conta. “Um dos melhores foi com um 230 S de 1966, que eu vendi para a Hebe Camargo.”
Sobre o neto, “seu” Antonio é só elogios. “Ele trabalha mais do que eu”. “Nas férias, desmontou um Mercedes inteiro sozinho.”
Kombi em boas mãos
“A principal vantagem de o cliente consertar ou fazer manutenção preventiva comigo é saber que só eu mexo com isso. Mulher é mais detalhista. Então, só de olhar, ou pelo barulho, eu sei se o problema é no coletor, na suspensão ou em qualquer outra peça”, diz Edilene Bueno Scherer. Ela é dona da Oficina das Kombis, que fica no bairro Sarandi, em Porto Alegre.
Edilene conta que tinha uma locadora de Kombi. Após o modelo sair de linha em 2013, ela percebeu que havia a oportunidade de oferecer serviços de manutenção do modelo. Ela diz que não dá para comparar seus preços com os de oficinas de concessionárias da Volkswagen. Isso porque a maioria das autorizadas não oferece serviços para a linha Kombi.
Mas Edilene cita alguns exemplos. Segundo ela, a fechadura da porta de correr da Kombi custa R$ 255 na Oficina das Kombis. Nas concessionárias Volkswagen, o preço passa de R$ 1.000. Além disso, de acordo com ela, há poucas que oferecem o componente, que deixou de ser fabricado. “Há alguns meses, eu tirei uma Kombi de dentro de uma concessionária. Eles estavam fazendo a suspensão dianteira e os freios. Lá o orçamento era de R$ 10.300. O meu foi de R$ 4.100.”
Público variado
Edilene afirma que atende três tipos diferentes de público: empresas, pessoa física e os apaixonados por Kombi. “O primeiro é o que mais me dá lucro, mas usa o carro até o pneu chegar no arame. O segundo é mais consciente e que gera maior rotatividade. Já o terceiro é aquele que gosta de tudo nos mínimos detalhes, sem se preocupar com valores e cronograma.”
A Oficina das Kombis têm quatro mecânicos. Segundo Edilene, a agenda costuma ficar lotada para as próximas duas semanas. De acordo com ela, na oficina são feitos cerca de 40 atendimentos por mês. Edilene, aliás, tem uma Kombi ano 1996.
Exclusivos
Carros esportivos e de luxo também contam com oficinas especializadas, ou as chamadas monomarca. Esses clientes querem ser atendidos por especialistas e buscam cuidados especiais. Em geral, eles preferem pagar um pouco mais do que gastariam em oficinas multimarcas (ou generalistas), pois sabem que esses profissionais conhecem profundamente os veículos que reparam e têm fácil acesso à peças de reposição.
Desse universo faz parte a The Specialist, que fica na zona Sul da capital paulista, tem quase 23 anos e cuida apenas de carros da Land Rover. Luiz Fraga é dono da oficina que nasceu do sonho de ter um negócio próprio ligado à sua paixão pela marca britânica. Mestre em engenharia mecânica, ele conta que ministrou vários cursos de condução pela marca e que ganhou seu primeiro Land Rover quando ainda tinha 16 anos.
“Desde então, minha paixão (pela marca) só aumentou. Nos anos 1990, abri a primeira concessionária Land Rover do Brasil. E, em 1998, enfim, resolvi inaugurar a oficina. Na época, muita gente disse que eu era louco por escolher ter uma oficina monomarca. Mas eu sempre acreditei no potencial da Land Rover no Brasil”, diz Fraga.
De galpão a oficina com maquinário importado
Inicialmente, a The Specialist ocupava um pequeno galpão. Mas, ao longo dos anos, o negócio evoluiu e o serviço foi sendo aprimorado. Atualmente, Fraga vai à Inglaterra comprar equipamentos usados em concessionárias. Em sua oficina, ele oferece serviços de revisão, manutenção corretiva, avaliação para quem quer comprar um carro da marca e diagnóstico eletrônico. Lá, a hora da mão de obra custa R$ 217.
Sempre antenado nas tendências do mercado, Fraga conta com a ajuda da esposa e dos filhos na oficina. Ou seja, da administração até a área de Tecnologia da Informação, tudo é feito em família. “Nosso atendimento remete a esse ambiente familiar. Recebemos os clientes com ‘aquele cafezinho’, de forma muito honesta e, sempre, com transparência e competência técnica”, conta.
Além de utilizar peças originais e Original Equipment Manufacturer (OEM), a The Specialist procura seguir as diretrizes adotadas pelas oficinas das concessionárias Land Rover nos processos de reparação. Inclusive, no aspecto relativo à responsabilidade ambiental. Nesse sentido, faz o descarte adequado de resíduos. De acordo com Fraga, a principal vantagem para os clientes é o vasto conhecimento que os profissionais da oficina têm da marca. Ou seja, isso se traduz em diagnósticos mais assertivos e, consequentemente, preços menores que o de oficinas de autorizadas.
Como resultado, a The Specialist já realizou quase 40 mil serviços desde 2009. Segundo Fraga, em um ano “normal”, ou seja, sem pandemia, chegou a atender mais de 250 carros por mês. Em primeiro lugar na lista de modelos atendidos em 2020 está o Defender. “Entendemos que isso tem a ver com a pandemia. Ou seja: muita gente resolveu viajar de carro”, opina o empresário.
Cuidados com carros são essenciais
Outra oficina focada em marcas específicas é a Doctor American Car. Localizada na zona Norte da cidade de São Paulo, em breve completará dez anos de mercado. O proprietário Sandro dos Santos diz que o diferencial é o “atendimento direto, com uma conversa na mesma língua do cliente“. Ele diz que procura evitar termos técnicos. O primeiro passo do atendimento é subir o carro em um elevador para analisá-lo. De acordo com ele, sem custos para o cliente.
Depois que o orçamento é aprovado, o carro é todo “embalado”. Ou seja, volante, bancos e tapetes são cobertos. Além disso, os para-lamas recebem proteção. Dessa forma é possível evitar qualquer tipo de dano durante a realização do serviço. Inclusive, quando o carro é levado à pista para testes, o cliente pode acompanhar por meio do smartphone.
Santos conta que trabalha com mecânica desde a infância. Nesse meio tempo, se especializou em carros das marcas Chrysler, Dodge e Jeep. Assim como nos Fiat importados, como 500 e Freemont – ambos já fora de linha. Afinal, todas essas marcas fazem parte do Grupo FCA (agora, Stellantis). Na Doctor American Car são oferecidos serviços nas áreas de mecânica, eletrônica e tapeçaria. “Ampliando (o atendimento) para carros elétricos. Há um ano e oito meses, passamos a atuar no segmento”, conta Santos.
E o preço?
Além de ter um amplo estoque de peças, a Doctor American Car se destaca pelos preços cobrados. Segundo Santos, são R$ 200 pela hora da mão de obra para um Jeep. Já nas concessionárias, é cobrado o valor de R$ 350. Os clientes assíduos podem, inclusive, ter o carro escaneado de graça. Esse serviço custa R$ 280. A oficina realiza de 70 a 100 atendimentos por mês.
Só carros de luxo
A Flacht Motorsport & Classic Center, que fica no Jardim Paulista, zona nobre da capital paulista, nasceu há pouco mais de dois anos focada em carros da Porsche. Ou seja, desde os antigos aos atuais. No entanto, por causa da demanda gerada pelos clientes, ampliou, alguns meses depois, o serviço para modelos de outras marcas do segmento premium. Dessa forma, agora recebe carros da Audi, BMW e Mercedes-Benz, por exemplo.
O serviço é especializado em importados e foca em atendimento personalizado. Segundo o proprietário da Flacht, Brandon Crozier, a meta é oferecer “100% de transparência e atenção total à demanda dos clientes”. De acordo com ele, os quatro mecânicos que atuam na oficina – que ocupa 1.800 m² e tem ferramental de ponta – são altamente qualificados.
Segundo Crozier, os clientes da Flacht são donos de carros que acabam de ter a garantia de fábrica encerrada. Ainda assim, procuram oficinas de confiança. Mas que seja fora da rede de concessionárias para, portanto, cobrar preços mais baixos. Lá, por exemplo, os serviços são cerca de 30% mais baratos que em autorizadas, de acordo com Crozier. A oficina faz cerca de 50 atendimentos mensais. Enfim, o modelo mais atendido é Porsche Cayenne, campeão de vendas da marca no Brasil.
Tradição
Em Santos, cidade do litoral Sul de São Paulo, a Aires & Filhos atende veículos nacionais e importados de todas as marcas. Mas é referência em carros antigos. A oficina foi fundada há 49 anos e está há 35 anos no mesmo endereço. No galpão, é comum ver lado a lado modelos antigos e clássicos vindos de todas as partes.
Tudo começou com o patriarca da família. Ele foi gerente de oficina da primeira concessionária Chevrolet do Brasil, a Casa Neto). Com serviços especializados em modelos como Chevette, Impala, Veraneio, D-10 e companhia, a empresa é tocada pela segunda geração da família. Assim, como o passar do tempo os proprietários enxergaram um nicho de mercado.
De acordo com Ricardo Cramer, atual dono da Aires & Filhos, havia carência de profissionais gabaritados para atuar nesse segmento. Ou seja, alguns se aposentaram e muitos estavam voltados para a restauração, e não manutenção. “Percebemos que havia um viés promissor para a empresa.”
Atualmente, além de serviços de mecânica em geral, a oficina oferece reparo de parte elétrica, eletrônica, ar-condicionado, câmbio (manual e automático), geometria de direção e balanceamento. O fato é que a Aires & Filhos é um deleite para os olhos de qualquer apaixonado por clássicos. Imagine levar seu carro para o conserto e se deparar com um Ford 1929, ou um Opala em estado de zero-km? Enfim, lá isso é bastante comum.
Colaborou: Tião Oliveira