Os ingredientes de um grande “road movie” estão lá. Em primeiro lugar, a maior parte da viagem é pela Rota 66, no trecho que corta o sudoeste dos EUA, tendo como ponto de partida o Estado do Arizona (e passando por Novo México, Oklahoma e Arkansas). No trajeto, muitas áreas desérticas, algumas plataformas de petróleo e locais que são o sonho de qualquer viajante apaixonado por aventuras e patrimônios naturais, como o Grand Canyon.
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No centro de tudo isso está um Thunderbird 1966 verde claro. Percorrendo a Rota 66, o conversível que fez história nas telonas no longa “Thelma e Louise”, de 1991, é nosso astro de hoje na seção “Carros de Cinema”. Por quê? Em 2015, o modelo, um dos mais icônicos da história do automóvel, celebra seus 60 anos.
No início do longa, o Thunderbird tem o objetivo de levar duas amigas, uma garçonete e uma dona de casa entediada, a um fim de semana nas montanhas. Mas uma parada em um bar de beira de estrada muda o rumo da trama. Ao volante e no banco de passageiro do clássico, se dá a transformação total na vida das personagens: de moças certinhas a bandidas perigosas.
Considerado um dos 100 melhores filmes da história e dirigido por Ridley Scott, o filme traz Susan Sarandon no papel de Louise e Geena Davis como Thelma.
UM EXEMPLAR ESPECIAL
Desde as filmagens de “Thelma e Louise” até 2008, o Thunderbird usado no filme era propriedade do MGM. Então, naquele ano, o estúdio responsável pelo longa decidiu se desfazer o exemplar histórico. Na verdade, trata-se de uma das unidades utilizadas. Nas filmagens, foram usados diversos Thunderbird.
O carro foi vendido na edição de 2008 daquele que é considerado o maior leilão anual de veículos do mundo, na cidade de Scottsdale, que fica justamente em Arizona. As fotos do clássico postadas pela casa de leilões Barrett-Jackson, promotora do evento, em seu site, mostram que o Thunderbird estava impecável, totalmente restaurado e na cor original.
O preço pago pelo modelo foi US$ 71.500, que hoje, com o dólar em alta, equivalem a R$ 220 mil, aproximadamente. De acordo com o anúncio da Barrett-Jackson, o Thunderbird, cujo interior é branco, tem motor V8 e câmbio automático. A identidade do comprador não foi revelada.
A HISTÓRIA DO THUNDERBIRD
A trajetória do carro é uma das mais ricas da indústria automobilística mundial. Em 42 anos, foram dez gerações. Uma 11ª veio após um breve intervalo, para encerrar a carreira do modelo com chave de ouro. Mais que isso, o Thunderbird já teve diversas personalidades: nasceu como esportivo sem teto, virou cupê, depois sedã de luxo, voltou a ser cupê… e por aí vai.
Tudo começou no Salão de Detroit (EUA) de 1954, quando o Thunderbird foi apresentado. O Ford, que chegaria às concessionárias no ano seguinte, era um conversível de dois lugares com forte apelo esportivo, feito como resposta ao Chevrolet Corvette, lançado anos antes. Na primeira geração, a dianteira era inspirada em modelos da Ferrari. Em 1956, vieram as primeiras atualizações, com destaque para a chegada da versão com teto rígido e fixo.
A segunda geração, de 1958 e 1960, inicialmente veio só com teto rígido. A versão conversível chegou um pouco depois. Além disso, em vez de dois lugares, passava a trazer quatro. Foi aí que surgiu a configuração de “Thelma e Louise”.
Aliás, os bancos traseiros foram muito úteis para a carreira do então jovem Brad Pitt. No papel de J.D., um ladrão com estilão de “cowboy”, ele entra na trama ao conseguir uma carona com Thelma e Louise. Foi o primeiro papel de destaque do astro no cinema.
Com as inovações, o Thunderbird perdeu o apelo esportivo e, assim, projetou o Corvette, que se manteve fiel às origens – e aos dois lugares. As linhas ficaram mais quadradas e o comprimento passou de 4,45 metros para 5,2 metros.
A terceira geração, lançada em 1961, é marcada pela dianteira pontuda. Naquele ano, o Thunderbird foi carro-madrinha da 500 Milhas de Indianápolis.
O exemplar do filme é de quarta geração, que manteve a dianteira longa, mas com atualizações bem marcantes. A principal inovação, lançada no ano seguinte, ficou por conta dos freios dianteiros a disco. No ano seguinte, o Thunderbird recebeu mudanças nas lanternas e controle automático de velocidade.
A quinta geração, de 1967, teve como destaque a chegada da versão de quatro portas. Com o marco de 1 milhão de unidades vendidas, veio a sexta (1972 a 1976), com um conceito completamente novo de Thunderbird. O carro cresceu, passou a trazer apenas teto fixo e teve uma total ruptura com o conceito de esportividade… se transformou em um imenso sedã americano.
Após a crise do petróleo, em 1977 veio a sétima geração, menor que o anterior. Havia necessidade de reduzir os gastos com combustível e, por isso, o tamanho e peso dos automóveis.
O ano de 1980 foi marcado pela chegada do oitavo Thunderbird, que voltou a diminuir e adotou o estilo cupê novamente. Além disso, pela primeira vez trazia um motor de seis cilindros – até então, só havia utilizado exemplares V8.
Em 1983, a fim de voltar a atrair a juventude, o Ford adotou carroceria mais arredondada. Era a nona geração.
A décima – e última da primeira fase – é de 1989. Trazia desenho totalmente diferente, caracterizado pela ausência de grade. Neste capítulo, o destaque era a suspensão traseira independente.
Algumas reestilizações depois, o Thunderbird, enfim, deu seu último suspiro. A produção foi encerrada em 1997, com quase 4,2 milhões de exemplares vendidos.
Porém, o carro ensaiou uma ressurreição. A Ford voltou a ter um veículo com o nome Thunderbird em 2002. Ali, ele retornava às origens, com versões conversível e cupê, ambas de dois lugares. Era sua 11ª geração, acrescentando cerca de 70 mil unidades à produção total.
As luzes, enfim, se apagaram em 1º de julho de 2005, data em que o último Thunderbird saiu da linha de montagem.
O ENREDO
Desde os 18 anos, a dona de casa Thelma é esposa do egoísta e opressor Darryl (Christopher McDonald). Entediada, ela decide passar um fim de semana nas montanhas do Arizona com sua melhor amiga, Louise, uma garçonete que tem um relacionamento complicado com o músico Jimmy (Michael Madsen).
No decorrer do longa, vai ficando claro que o relacionamento de Louise e Jimmy é muito mais verdadeiro que o de Thelma e o marido, mas as circunstâncias da vida impedem que eles fiquem juntos para valer. A garçonete é marcada por um forte e secreto acontecimento do passado, quando ela vivia no Texas. O músico, por causa da profissão, passa muito mais tempo na estrada do que em casa.
No início da viagem, a bordo do Thunderbird de Louise – que, posteriormente, se mostra uma excelente motorista -, as duas amigas têm apenas a intenção de passar um fim de semana divertido, longe da rotina de casa e dos problemas com seus homens. São os dilemas femininos em relação ao sexo oposto o ponto de partida. Thelma quer provocar o marido e se divertir; Louise pretende fazer com que Jimmy sinta sua falta e perceba que não pode viver sem ela.
Mas uma parada em um bar na estrada resulta em uma tragédia. Thelma sofre uma tentativa de estupro e é salva por Louise, que, após uma discussão com o agressor, acaba matando-o com a arma que a amiga levou para se “defender dos psicóticos”.
Num primeiro momento, Louise tenta manter a calma e pensar em como agir, enquanto a desesperada Thelma só pensa em entregar-se à polícia. Mas à medida que a viagem e o longa se desenvolvem, elas vão perdendo as esperanças – e a vontade – de voltarem a ter uma vida normal após um acontecimento tão marcante. Aos poucos, vão se libertando.
De garota insegura, meio abobalhada, Thelma passa a ser a metade mais decidida da dupla. Ela não pensa mais nas consequências, apenas em se divertir e fazer o que tem vontade.
O filme foi considerado um grande marco para o feminismo, mostrando que as personagens centrais vão deixando suas personalidades virem à tona a medida que se livram das amarras das convenções sociais e se desprendem de seus homens.
A liberdade, aliás, é o tema central do filme. E fica evidenciada na viagem pela Rota 66, que é o sonho de qualquer pessoa com espírito aventureiro, no carro sem teto e na cena final, uma das mais belas da história do cinema.
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