Os últimos dois anos mudaram o cenário da indústria automotiva no Brasil. Com a escassez de chips eletrônicos e a flutuação na economia, decorrentes da pandemia da Covid-19, diversas montadoras cogitaram encerrar as operações no País. Contudo, só a Mercedes-Benz fechou sua fábrica entre as marcas de luxo. E pegou todos de surpresa com o anúncio em dezembro de 2020. Em seguida, a Ford comunicou o fechamento de suas três fábricas e o fim da produção nacional, o que trouxe dúvidas sobre o futuro da indústria local.
Mesmo com o avanço da vacinação, o mercado de carros no Brasil ainda não se reergueu dos efeitos colaterais da pandemia. Mas, apesar dos percalços, as marcas premium mantiveram suas apostas locais. A Land Rover, por exemplo, reativou suas instalações em Itatiaia, no Rio de Janeiro, com a produção do novo Evoque. O mesmo acontece com a BMW, que confirmou a montagem local dos novos Série 3 e X1. Já a Audi voltou a produzir no complexo da Volkswagen, em São José dos Pinhais, no Paraná, com a nova geração do SUV Q3.
Seja como for, as marcas estão reestruturando as fábricas locais. Afinal, foram necessárias modernizações após o período sem produção. A partir de agora, portanto, passam a atualizar as linhas para receber a eletrificação que, mesmo ainda tímida, avança rápido no Brasil. Abaixo, o Jornal do Carro relembra os acontecimentos desde o início da pandemia e aponta quais as principais estratégias das montadoras com (e sem) produção no País.
Audi
Em dezembro de 2020, a Audi encerrou a produção do sedã A3 na fábrica de São José dos Pinhais, no Paraná. Desde então, a montadora anunciou um hiato na montagem de veículos no complexo da Volkswagen. No mesmo período, a alemã prometeu um novo produto e, recentemente, anunciou a produção local da nova geração do SUV Q3.
A interrupção na fábrica paranaense se deu porque a Audi enfrentava problemas com o governo brasileiro por conta do programa Inovar Auto. Este estabeleceu que as marcas que investissem em fábricas no Brasil até o ano de 2017 receberiam o reembolso do “Super IPI” (Imposto sobre Produtos Industrializados). Dessa forma, a fabricante chegou a investir cerca de R$ 446 milhões na unidade. Mas nunca recebeu os créditos do governo. Inclusive, é uma situação que se estende até hoje. Contudo, a fabricante não comenta sobre as negociações.
De toda forma, após quase dois anos, a marca das quatro argolas reativou sua linha de produção com o novo Q3 e o inédito Q3 Sportback, versão inédita do utilitário, que tem estilo cupê. A escolha foi feita diante do domínio dos SUVs nas vendas de carros premium. Portanto, o A3 sedã não voltou à fábrica. Para recuperar a linha de montagem de São José dos Pinhais – onde a VW produz o SUV compacto T-Cross – a Audi investiu R$ 100 milhões. A fábrica tem capacidade para montar cerca de 4 mil modelos por ano em dois turnos.
Futuro eletrificado
A volta das atividades aconteceu em junho, com novo maquinário e layout da linha de montagem. O novo Q3 é feito em esquema Semi Knock-Down (SKD), com kits semi-desmontados que vêm da Hungria. Portanto, não há peças nacionais. Segundo a montadora, esse método é uma alternativa para veículos de baixo volume no segmento premium.
O CEO da Audi, Daniel Rojas, já disse, inclusive, que outros modelos podem ganhar produção no Paraná. A partir de 2023, a linha deve crescer e operar com 200 funcionários. Além disso, a Audi voltou a mencionar que vai lançar somente carros elétricos e eletrificados a partir de 2026. Assim, por ser uma estratégia global, servirá ao mercado brasileiro. Ou seja, a produção local de veículos eletrificados está nos planos, só não há uma previsão de data.
Além do investimento de R$ 100 milhões para fazer Q3 e Q3 Sportback, a alemã também anunciou um aporte de R$ 20 milhões na instalação de carregadores elétricos. Serão 43 novos pontos de recarga de até 150 kW espalhados nas lojas pelo Brasil.
BMW
Entre as marcas de luxo, a BMW é a que tem o plano mais bem definido para produção nacional. A montadora bávara mantém sua fábrica em Araquari, Santa Catarina, e “vai muito bem, obrigado”. Recentemente, confirmou que vai montar, em breve, os novos Série 3 e X1 no País. O anúncio aconteceu em julho. Vale lembrar que tanto o sedã médio quanto o SUV compacto já foram feitos aqui, mas vão receber as recentes renovações feitas no exterior.
O primeiro a chegar será o Série 3, que estrou em maio deste ano na Europa. A expectativa é que o modelo nacional chegue ao mercado até o final de setembro. Por ora, não há informações oficiais, mas o sedã deverá manter a versão 320i com motor 2.0 turbo flex de 184 cv e 30,6 mkgf de torque. Além desta, há a opção do motor 3.0 de seis cilindros em linha, e mais duas variantes híbridas do tipo plug-in, que recarregam em tomadas.
Em seguida, a BMW dará início à montagem local do X1, logo no início de 2023. E o SUV deverá vir totalmente eletrificado ao País. Assim, apresenta opções híbridas, assim como o elétrico iX1, que tem autonomia entre 413 km e 438 km com a carga completa.
Importante dizer que esses são os dois modelos mais vendidos da marca bávara no mercado brasileiro. De acordo com o diretor da unidade catarinense, Otavio Rodacoswiski, a fábrica produz cerca de 10 mil carros por ano atualmente. No entanto, a capacidade pode chegar a 30 mil unidades. Lá, a BMW já produziu 80 mil carros desde 2014. Além da dupla campeã de vendas da marca, os SUVs X3 e X4 têm montagem local.
Land Rover
Quem também está com forte marcação no Brasil é a Jaguar Land Rover. Em 2021, a montadora anunciou a retomada da produção do SUV Evoque na fábrica de Itatiaia, no Rio de Janeiro. A marca britânica já vinha trazendo o utilitário de luxo importado da Inglaterra, desde que a nova geração estreou em 2019. Esse, por sinal, foi o motivo da pausa na produção. Por aqui, o SUV chegou em duas versões de acabamento, a SE e a R-Dynamic HSE. Ambas trazem o motor 2.0 turboflex com quatro cilindros, 250 cv de potência e 36,3 mkgf de torque.
Para retomar a montagem do Evoque, a montadora precisou modernizar a linha da unidade fluminense. E, hoje, gera 400 empregos na região. Dessa forma, é uma grande aposta para o futuro da marca. Afinal, o SUV foi o Land Rover mais emplacado da última década no Brasil. O utilitário será feito ao lado do Discovery Sport, em montagem no País desde 2016. Este está disponível com motores turbo diesel ou turbo flex, e oferece 7 lugares.
Além da produção do Evoque e do Discovery, a unidade da Land Rover no Rio de Janeiro conta com uma oficina de restauração. O serviço está disponível com peças originais dos veículos mais antigos da marca. Vale lembrar que a unidade ficou parada de março a junho de 2020 por causa dos impactos do coronavírus. A Jaguar Land Rover investiu R$ 750 milhões para erguer a fábrica. A capacidade é de 24 mil unidades por ano.
Mercedes-Benz
No fim das contas, a Mercedes foi a única marca de luxo a encerrar a produção no Brasil. O anúncio foi feito no final de 2020, quando a montadora encerrou a produção na fábrica de Iracemápolis, no interior paulista. Inaugurada em março de 2016, a unidade era responsável por montar o SUV compacto GLA e o sedã Classe C. Para isso, recebeu mais de R$ 600 milhões de investimentos e tinha capacidade para montar 20 mil carros por ano.
De acordo com a marca alemã, foram diversos motivos para fechar a fábrica. Além da pandemia da Covid-19, a fabricante queria focar no processo da eletrificação, o que exigiria muitas adequações na unidade, bem como novos (e pesados) investimentos.
Assim, em agosto de 2021, a Mercedes-Benz confirmou a venda da fábrica de São Paulo para a chinesa Great Wall Motors. O negócio envolveu não apenas o terreno, mas a área construída e todo o ferramental para a produção de veículos. Ou seja, a unidade está pronta para operar. E, segundo os rumores, a gigante chinesa deve religar as máquinas já em 2023, com a produção local de SUVs e picapes destinados ao mercado brasileiro. O primeiro utilitário previsto para chegar ao País é o Haval H6, que terá um moderno conjunto híbrido.
Por aqui, a Mercedes-Benz possui ampla gama de modelos, entre sedãs e SUVs. Em julho, a marca lançou o seu segundo carro elétrico no País, o EQS 53 4MATIC+. O sedã grande de luxo é o primeiro feito pela divisão esportiva AMG. Além dele, há o SUV EQC, que estreou em território nacional em 2020. Porém, todos agora vêm importados ao Brasil.
Ford
Impossível não mencionar a saída da Ford, já que o impacto foi significativo. Em janeiro de 2021, a marca anunciou o fim da produção de carros e motores no Brasil. O comunicado pegou de surpresa até mesmo o Governo Federal, já que a montadora recebeu cerca de R$ 20 bilhões em incentivos fiscais para produzir no País desde 1999, segundo a Receita Federal.
Mas, os rumores do encerramento surgiram em fevereiro de 2019, após o anúncio do fechamento da fábrica de São Bernardo do Campo, em São Paulo, onde a empresa produzia caminhões. Na época, a Ford disse que haveria apenas uma “redução de 20% dos custos com quadro de funcionários e estrutura administrativa”.
De início, a Ford encerrou as operações nas unidades de Camaçari (BA) e Taubaté (SP). Portanto, deixou de produzir nacionalmente a linha Ka (hatch e sedã), e o SUV Ecosport, que eram seus três modelos de volume no País. Em seguida, a marca do oval azul deu fim à produção da Troller no Ceará, marca de jipes 4×4. Portanto, foi o fim do jipão T4.
Portfólio atual
Com as baixas na gama, a Ford naturalmente encolheu e virou marca “premium” no Brasil. Para contextualizar, a picape Ranger, que é feita na Argentina, passou a ser o modelo de entrada e o campeão de vendas da marca no País. Os preços partem de R$ 222 mil e alcançam R$ 321 mil. Além dela, há a média-compacta Maverick, que vem do México em versão única, a Lariat FX4. Ela usa motor 2.0 Ecoboost de 253 cv e tem preço a partir de R$ 236.890.
Além da gama de picapes, há os SUVs como o Bronco Sport, que veio do México na versão topo de linha Wildtrak, com motor 2.0 turbo e 240 cv de potência. A marca também vende no País o chinês Territory com motor 1.5 a gasolina de 150 cv. E, para 2023, a Ford já confirmou a grandalhona F-150 e o SUV elétrico Mustang Mach-E.
Em 2022, a Ford abriu um Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de tecnologias em solo brasileiro. Com sede em Camaçari, a estrutura conta com mais de 1.500 profissionais que atuam em projetos globais. A montadora diz que grande parte das pesquisas são voltadas ao desenvolvimento de veículos eletrificados e softwares para carros autônomos e conectividade. Além disso, é responsável pela criação das futuras gerações de sistemas multimídia da marca.