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A fábrica de dois carros por ano da Renault
Tecnologia

A fábrica de dois carros por ano da Renault

Para fazer seus carros de Fórmula 1, Renault gasta 300 milhões de euros por ano e emprega 680 colaboradores

Hairton Ponciano Voz, de Enstone, Inglaterra

17 de out, 2018 · 8 minutos de leitura.

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Renault investe em tecnologia de ponta para produção dos modelos de corrida
Crédito:Foto: Renault Sport F1/Divulgação
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O local, uma área rural e bucólica no interior da Inglaterra, já foi uma pedreira. Agora, abriga prédios modernos, nos quais trabalham 680 pessoas de 22 nacionalidades. Estamos em uma fábrica de carros da Renault. Nessa planta, que conta com orçamento anual de 300 milhões de euros (mais de R$ 1,2 bilhão), são produzidas apenas duas unidades por ano – e que nunca ficam totalmente prontas.

Trata-se da base da Renault na Fórmula 1 em Enstone, um vilarejo a pouco mais de uma hora de Londres. Ali, a marca francesa projeta, produz, testa e acompanha o rendimento dos carros que disputam corridas em autódromos nos cinco continentes.

De acordo com o diretor de marketing da Renault Sport Racing, David Ménochet, nessa planta são feitas, de forma artesanal, 90% das peças utilizadas nos carros de Fórmula 1 da escuderia. Isso representa algo como 14.500 componentes, ou três vezes mais itens do que em um carro de passeio convencional.

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Em Enstone são feitos desde partes grandes, como chassi, monocoque e carenagem, até os menores itens da caixa de câmbio, da suspensão e dos freios, por exemplo. Basicamente, apenas a unidade de potência (o conjunto formado pelos motores a combustão e elétrico) vem da França.

Entre as peças feitas em Enstone está, por exemplo, o escapamento, por meio de um processo 100% manual. São necessários dois dias e meio de trabalho para o sistema assumir a forma final, cheia de curvas. A propósito, os canos são feitos de inconel, liga desenvolvida pela Rolls-Royce e empregada na produção de turbinas de avião, capazes de suportar temperaturas de 1.000°C.


Peças sofisticadas

Outro exemplo de componente sofisticado feito em Enstone é o volante. Com 20 botões, que dão ao piloto diversas possibilidade de ajustes, a peça custa entre 35 mil e 45 mil euros (R$ 145 mil a R$ 185 mil).

O processo é ininterrupto. Ao mesmo tempo em que a fábrica faz peças para eventuais reparos ou melhorias nos carros que estão disputando o campeonato em curso, os engenheiros trabalham nos modelos da próxima temporada. O trabalho tem base no regulamento da categoria, que muda todo ano.


O ambiente é organizado e extremamente silencioso. Em alguns dos locais visitados não foi permitido tirar fotos. Em outros, a entrada era proibida, para evitar contaminação do ar com o ambiente externo.

É o caso da oficina que transforma as lâminas de fibra de carbono em diversos componentes do carro, como monocoque, carenagem, chassi, etc.

Estima-se que 80% de um carro de F1 seja de fibra de carbono. O material é duas vezes mais resistente e cinco mais leve que o aço. Até o câmbio sequencial de oito marchas do Renault usa essa fibra sintética.


Como nasce um fórmula 1

O projeto de um novo carro de Fórmula 1 começa 18 meses antes do início da temporada que ele irá disputar. Após seis meses de desenvolvimento em computador e testes virtuais, os primeiros componentes estão prontos para serem produzidos em impressoras 3D.

A próxima fase é testá-los em máquinas semelhantes às encontradas em laboratórios de análises clínicas. Ali, são feitos testes de raio X e tomografias, capazes de detectar qualquer falha interna. Oito meses antes de ir para a pista, começam os testes em túnel de vento. Para isso, a Renault produz o carro já nas formas finais, mas em escala de 60%.


Nessa etapa, para conter custos, os testes aerodinâmicos em túnel de vento são limitados (e acompanhados remotamente) pela FIA. Outra peculiaridade é que, além do vento frontal, esse túnel de vento tem piso que “corre” sob o carro. Isso simula o efeito aerodinâmico imposto ao modelo em altas velocidades.

Testes reais

A próxima etapa é fazer o carro com as proporções reais. Depois partir para as simulações em pistas, mas ainda sem sair da fábrica. Para isso, o protótipo é colocado sobre uma plataforma com sete atuadores hidráulicos capazes de subir e descer simulando as imperfeições do piso dos circuitos ao redor do mundo.

Dessa forma, é possível replicar em Enstone os esforços a que o carro será submetido, seja em uma corrida em ruas, como Mônaco, ou pistas como Interlagos.


Assim como nas pistas, todo o processo de produção corre contra o tempo, já que o primeiro carro deve estar pronto logo após o Natal. Esse prazo é suficiente para participar dos testes de pré-temporada.

Em janeiro, tudo é enviado de navio, a tempo de começar uma nova temporada, na Austrália, em março. E quando for dada a largada, um time de especialistas de diversas áreas, como aerodinâmica, desempenho e estrategistas de corrida, vai estar na sala de controle, em Enstone, avaliando cada detalhe do comportamento dos dois carros na pista, e em linha direta com a equipe de box.

Enstone pode não ser mais um local de extração de pedras, como no passado. Mas ainda é uma pedreira.


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